Contas públicas estaduais em 2015: melhora do resultado primário, mas piora do perfil fiscal

Principais mensagens:

1) O ano de 2015 foi caracterizado pela melhora do resultado primário dos estados, fruto da forte restrição financeira que sofreram, dada sua incapacidade de elevar seu endividamento.

2) Nenhum estado conseguiu apresentar crescimento real positivo nas receitas primárias, ocasionado do baixo dinamismo econômico e queda das transferências legais e voluntárias.

3) Piora do perfil fiscal dos estados: incapacidade de segurar o aumento das despesas de pessoal, cujo crescimento foi acima da inflação para a maioria dos entes, e forte retração dos investimentos.

Introdução

Este trabalho busca avaliar o comportamento das finanças públicas estaduais pelo resultado fiscal na metodologia “acima da linha”, com base nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Essa metodologia permite avaliarmos os principais componentes do resultado primário, como os tipos de receitas e as despesas pública. O critério da apuração das despesas foi a liquidação, com objetivo de aproximar os resultados à ótica de caixa.

É importante registrar que não existe uma metodologia uniforme para a contabilização das receitas e despesas primárias. Assim, a comparação entre estados pode não refletir, necessariamente, uma situação fiscal melhor ou pior, mas simplesmente formas diferentes de contabilização.

Em 2015, observa-se maior esforço fiscal dos entes estaduais, medido pelo resultado primário reportado, em relação ao ano anterior. Na maioria dos estados, a barra azul (resultado primário de 2015) é superior a barra amarela. Dos 25 estados analisados (cujos dados estão disponíveis), 19 apresentaram melhora no seu resultado primário, enquanto 6 pioraram. Os estados que reportaram pior resultado, em termos proporcionais às suas receitas primárias, foram o Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Sul, Acre e Bahia. Entanto Roraima, Amapá, Mato Grosso, Alagoas e Rondônia reportaram os melhores.

Gráfico 1: Superávit primário reportado em 2015 e 2014, em % das Receitas Primárias
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

É importante fazer algumas observações sobre o resultado apresentado. Houve o mapeamento da utilização dos depósitos judiciais para o financiamento de despesas por pelo menos três estados. O Rio de Janeiro utilizou R$ 6,7 bilhões, Minas Gerais R$ 2 bilhões e o Rio Grande do Sul R$ 1,8 bilhão. Apesar da utilização dos depósitos judiciais terem características muito semelhantes a uma operação de crédito, uma vez que os estados devem ressarcir em algum dia e também pagam juros sobre o saldo utilizado, os estados classificaram como receitas primárias, o que melhorou o resultado do ano. Se fosse o ajuste do resultado retirando esses depósitos, o Rio de Janeiro passaria um resultado de -20% das receitas primárias em 2015.

Assim como ocorre com os depósitos judiciais, pode fazer outras formas “criativas” de registrar as receitas e despesas que podem distorcer o resultado apresentado. Os estados do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Norte ainda não divulgaram o RREO do 6º bimestre, por isso foram retirados da análise. O Paraná e a Paraíba ainda não tiveram seu balanço homologado pelo Tesouro Nacional, podendo ainda sofrer alterações nos números. O Distrito Federal teve mudança de classificação das receitas e despesas das transferências do FCDF, foram feitos os ajustes para manter a base comparável.

O resultado primário é um indicador de esforço fiscal, porém não mensura a perda ou melhora da qualidade (ou perfil) das finanças públicas. Dessa forma, foi avaliada a poupança corrente dos estados, calculada pela subtração das receitas correntes menos as despesas correntes dos entes. Ou seja, é o montante de recursos arrecadado pelo estado (sem se endividar) que não está alocado para despesas de manutenção da máquina pública (correntes). Trata-se de mensurar o quanto sobra para utilizar em despesas de forma discricionária dos recursos próprios dos entes.

Gráfico 2: Poupança Corrente em 2015 e 2014, em % das Receitas Primárias
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Dos 25 estados analisados, 18 pioraram sua situação, contra 7 de melhora. Da mesma forma que os resultados anteriores, a utilização dos depósitos judiciais melhorou artificialmente os resultados dos estados que os utilizaram. O que podemos diagnosticar é que a melhora do resultado primário dos estados em 2015 está associada a uma piora do perfil do gasto público. Este trabalho enumera 3 motivos para esse comportamento das finanças públicas em 2015.

Motivo 1: Menor dinamismo das receitas

O ano de 2015 foi caracterizado por uma forte retração econômica. O indicador de atividade do Banco Central registrou uma retração de 4,1% da economia no ano. Essa recessão provocou efeitos negativos sobre a arrecadação em todos os níveis de governo, uma vez que a base tributária se reduziu. A inflação no ano, calculada em 10,7% a.a. pelo IPCA, contribui para reduzir esses efeitos, porém 6 estados ainda apresentaram variação nominal negativa entre 2014 e 2015.

O Gráfico 3 apresenta a variação das receitas primárias de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Observa-se que, em todos os estados (sem exceção), o crescimento das receitas não foi suficiente para recompor a inflação. Ou seja, observou-se um crescimento real negativo das receitas primárias dos estados. O estado do Rio de Janeiro foi o que apresentou o pior resultado, motivado, majoritariamente, pela queda das rendas e da atividade do setor do petróleo e gás.

Gráfico 3: Receitas Primárias em 2015, variação nominal anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Motivo 2: Incapacidade dos governos em cortar despesas obrigatórias, notadamente pessoal

O Gráfico 4 apresenta a variação das despesas de pessoal de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Pode-se observar que a maioria dos estados apresentaram crescimento real positivo das despesas de pessoal, acima de 10% neste ano.

Gráfico 4: Despesas de Pessoal em 2015, variação nominal anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Parte dos novos governantes receberam uma conta amarga do seu antecessor, os reajustes salariais parcelados com repercussão financeira no mandato seguinte. Trata-se de uma brecha ainda existente na LRF que provoca efeitos nefastos sobre as finanças públicas. Há o Projeto de Lei do Senado nº 389/2015, de autoria do Sen. Ricardo Ferraço, que tramita no Congresso e objetiva fechar essa lacuna na LRF.

Motivo 3: Ajuste fiscal pelo corte dos investimentos

Com a piora da arrecadação e aumento das despesas obrigatórias, a restrição financeira fez com que os estados fizessem o ajuste nas despesas discricionárias, notadamente nos investimentos. Infelizmente é o componente do gasto que gera maior efeito de longo prazo por ampliar a infraestrutura, além de promover maior efeito multiplicador na atividade econômica e ajudar o país a sair da recessão.

Um problema adicional em cortar investimentos se deve a paralisação de obras. Quando isso ocorre, os projetos passam necessariamente por uma revisão (para cima) nos preços, pelos custos associados à desmobilização de pessoal e equipamentos das obras. Trata-se de algo muito perverso do ponto de vista econômico e social. Os investimentos são as despesas que mais precisam de previsibilidade e são as que mais sofrem flutuações, não é à toa que a qualidade do gasto público é baixíssima no Brasil.

Observa-se que, em termos médios, os estados cortaram em mais de 50% os investimentos neste ano, se comparado com o ano anterior. Assim, o corte das despesas no investimento explica a melhora no resultado primário dos governos estaduais ao mesmo tempo que a poupança corrente piorasse, já que se observou menor crescimento das receitas e maior gasto com despesas corrente.

Gráfico 5: Despesas com investimentos em 2015, variação nominal anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Resultados e Conclusões

Podemos observar que os estados passam por um forte processo de ajuste fiscal em relação ao ano anterior. Esse resultado está consistente com os dados apurados pela metodologia “abaixo da linha” do Banco Central. No entanto, devido a rigidez legal e orçamentária do setor público brasileiro, o ajuste fiscal foi de baixa qualidade com o menor dinamismo da arrecadação, o maior comprometimento com despesas obrigatórias (notadamente pessoal) e corte drástico nos investimentos públicos. Dessa forma, os estados atuam de forma pró-cíclica e agravam os efeitos recessivos da crise econômica sobre a atividade local. Já passou da hora de revisitarmos as regras que regem o setor público objetivando garantir capacidade de reduzir as despesas obrigatórias e melhorar a qualidade do gasto por meio da flexibilização gerencial. Caso contrário, estaremos fadados a conviver com uma carga tributária cada vez maior e revivendo momentos de crise como o atual.

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ICMS: um retrato da economia brasileira em 2015 (Folha de São Paulo 17/1/2016)

A Folha de São Paulo publicou no dia 17/1/2016 um artigo feito com os dados que levantei sobre o comportamento da arrecadação de ICMS em 2015.

Ver artigo: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1730352-tarifaco-rendeu-ao-menos-r-92-bi-em-icms-para-estados.shtml

Aproveito para divulgar o estudo completo que fundamentou a reportagem:

ICMS: um retrato da economia brasileira em 2015

Introdução

O ICMS, imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, é de competência dos Estados e do Distrito Federal. O imposto incide sobre a circulação de mercadorias, fornecimento de alimentação e bebidas, prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, serviços de comunicação, entrada no estado de petróleo e derivados, além da energia elétrica.

Trata-se do imposto mais importante do país em termos de arrecadação, representando, em 2014, o valor de R$ 318 bilhões, o equivalente a 5,6% do PIB brasileiro. Este estudo busca analisar o comportamento da arrecadação do imposto em 2015 a partir dos dados coletados pela Comissão Técnica Permanente do ICMS (COTEPE), ligada ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Esses dados são enviados pelos próprios estados e, dessa forma, é importante deixar claro que pode representar critérios de apuração diferentes entre as unidades da federação.

A participação de cada setor na arrecadação do ICMS segue a mesma lógica da importância deles sobre a economia, medida pelo PIB. O Setor terciário, representado pelo comércio e serviços, arrecadou 41% do ICMS no país em 2014 e, pelo sistema de contas nacionais, representa 61% do PIB. O setor secundário, representada pela indústria e construção, é responsável por 28% da arrecadação e, como participação do PIB, tem 21%. O setor primário, formada pelas atividades agrícolas e extrativistas, arrecadou apenas 1% do ICMS e tem uma representação de 4,5% do PIB. Devido à importância da arrecadação do nível estadual do ICMS sobre energia elétrica e petróleo, o CONFAZ trata esses setores de forma separada à classificação econômica, eles representaram 25% da arrecadação em 2014. Assim como, há uma desagregação dos dados sobre arrecadação da dívida ativa, ou seja, os créditos que a fazenda tem junto a empresas ou pessoas físicas que se encontram em atraso com o pagamento de tributos.

Gráfico 1: Participação da arrecadação do ICMS por setor em 2014, em %
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Fonte: CONFAZ/Ministério da Fazenda
Elaboração Própria


Comportamento do ICMS em 2015

Este trabalho utilizou o dado disponível até o mês de outubro de arrecadação do ICMS. Dessa forma, a análise feita utiliza a base de arrecadação acumulada até esse mês, comparada com o mesmo período do ano de 2014. É importante mencionar que, devido à ausência de informações do mês de outubro, os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul foram retirados da amostra.

O comportamento da arrecadação do ICMS em 2015 representa, em vários aspectos, o comportamento da economia do país no ano. O Gráfico 2 apresenta a variação real da arrecadação de ICMS por setor de 2015 em relação a 2014, deflacionado pelo IPCA. Observa-se que, no total, a arrecadação de ICMS até outubro apresentou queda de 5% real em relação a 2014, equivalente a R$ 16,1 bilhões de reais.
Assim como ocorreu nas contas nacionais, o setor que mais contribuiu para a queda da arrecadação do ICMS foi a indústria, com queda real de 11%. Esse dado é consistente com os dados da PIM (Pesquisa Industrial Mensal) do IBGE que indicou queda acumulada de 7,8% em outubro, em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Gráfico 2: Variação real da arrecadação do ICMS por setor, dados acumulados até outubro de 2015 em comparação com o mesmo período do ano anterior, em %
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Fonte: CONFAZ/Ministério da Fazenda
Elaboração Própria

Em seguida, observamos a queda de arrecadação dos setores primário e terciário, ambos em 8%. O comportamento do setor de terciário (serviços) também está consistente com a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE, que revela queda acumulada até outubro no volume de serviços de 3,1%. O setor primário é que, em relação aos dados de atividade econômica, parece estar contraditório, uma vez que o setor apresentou crescimento em 2015. No entanto, o efeito da queda dos preços da commodities deve ter impactado a arrecadação do setor. Em relação à arrecadação do ICMS sobre petróleo, este apresentou queda menor nível devido aos aumentos sobre o preço dos combustíveis no ano de 2015.

O destaque positivo da arrecadação veio do setor de energia elétrica e o ICMS das operações de dívida ativa. O setor de energia elétrica sofreu um forte aumento de preços em 2015. O aumento médio do preço da energia apurado pelo IPCA de 2015 foi de 51%. Esse dado foi praticamente igual à variação nominal do ICMS dos estados sobre esse setor (51%). Retirando o efeito da inflação média acumulada no período, a energia elétrica contribuiu positivamente em 37% para a arrecadação do ICMS. Se não fosse o reajuste da conta de energia, a queda do ICMS teria sido R$ 9,3 bilhões a maior, uma elevação de 58% das perdas da arrecadação total, de R$ 16,1 bilhões para R$ 25,3 bilhões, em termos reais.

Tabela 1: Arrecadação real do ICMS por setor, dados acumulados até outubro em comparação com o mesmo período do ano anterior, R$ mil e em %
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Fonte: CONFAZ/Ministério da Fazenda
Elaboração Própria

* Dados de 2014 foram atualizados a preços de outubro de 2015

Outra contribuição positiva para a arrecadação se deu pelo esforço de alguns estados em implementarem programas de recuperação fiscal sobre os tributos dos agentes devedores ao erário (dívida ativa). De fato, a forte restrição fiscal no ano de 2015 fez com que vários governadores utilizassem desse expediente para conseguirem horar os compromissos financeiros do ano. Os estados que apresentaram maior crescimento de arrecadação da dívida ativa foram o Paraná (109%), Espírito Santo (98%), Rio Grande do Sul (81%), Maranhão (63%) e Sergipe (45%), todos os valores em termos reais. O impacto positivo para arrecadação do ICMS da dívida ativa foi de R$ 382 milhões, em termos reais.

Ao analisarmos os dados desagregados por estado, observamos o efeito dramático da queda da atividade econômica no nível local. Apenas 3 estados apresentaram variação real positiva no ICMS em 2015: Paraná, Pará e Piauí. Os estados que apresentaram queda real superior ao dado total nacional foram Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Goiás.

Tabela: Arrecadação real do ICMS por estado, dados acumulados até outubro em comparação com o mesmo período do ano anterior, em R$ mil e em %
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Ministério da Fazenda
Elaboração Própria

* Não foram incluídos na amostra os estados do AP, AC, AM, SC, MS e RJ pela ausência de dados até outubro de 2015
** Dados de 2014 foram atualizados a preços de outubro de 2015

De forma geral, os resultados indicam que a arrecadação do ICMS contribuiu negativamente para a situação fiscal dos estados em 2015. No entanto, conforme apresentado no estudo Comportamento das Finanças Públicas Estaduais pelo “Acima da Linha” em 2015 (em https://pedrojucamaciel.com/?p=212), a crise financeira dos estados não pode ser justificada apenas pela queda da arrecadação, mas também pela incapacidade dos governos em cortarem despesas de forma significativa. O que observamos em 2015 foram cortes drásticos nos investimentos públicos, mas as despesas de pessoal mantiveram crescimento acima da inflação. Isso se deve, em boa parte, aos aumentos parcelados do salário dos servidores negociados no mandato anterior, mas com repercussões financeiras neste mandato. Além disso, a rigidez das regras do serviço público inviabiliza boa parte das medidas que objetivam racionalizar e aumentar a eficiência do estado.

Gráfico 3: Variação real da arrecadação do ICMS por estado, dados acumulados até outubro de 2015 em comparação com o mesmo período do ano anterior, em %
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Ministério da Fazenda
Elaboração Própria

O que observamos neste início de ano de 2016 foi o comportamento generalizado de aumento das alíquotas de tributos em todos os níveis de governo. Das 27 unidades da federação, 20 estados e o Distrito Federal elevaram as alíquotas de ICMS. A maior parte elevou a alíquota básica de 17% para 18%. Não custa lembrar que tributos indiretos (sobre produtos), são distorcivos e regressivos. Os pobres terminam pagando proporcionalmente mais que os ricos. Ademais, o caminho politicamente mais fácil do ajuste das contas por meio da elevação da carga tributária ou do corte dos investimentos causam efeitos perversos ao crescimento sustentável da economia no longo prazo.

Até quando assistiremos o ineficiente estado brasileiro crescer pela ausência de reformas estruturais no setor público? Quantas crises serão necessárias para aprendermos que o problema não está na falta de tributos, mas em como racionalizar as despesas públicas?

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Capacidade de Investir com Recursos Próprios dos Estados (Reportagem Valor 30/12/2015)

O valor econômico publicou hoje (30/12/2015) reportagem sobre o trabalho que fiz com objetivo de mensurar a capacidade dos estados em investir com dados atualizados até o 5º Bimestre de 2015.
Link: Link Reportagem do Valor Econômico
Pdf: Aval a crédito não destrava investimento de Estados

Segue, abaixo, o estudo completo que originou a reportagem:

Capacidade de Investir com Recursos Próprios dos Estados

O presente trabalho tem o objetivo de mensurar a capacidade fiscal dos estados brasileiros de investir com recursos próprios. A ideia desse indicador é complementar a informação trazida pelo resultado primário adicionando na avaliação um critério qualitativo do perfil da receita e do gasto público.

O resultado primário é definido como a diferença entre as receitas e as despesas não financeiras do governo. De uma forma simplificada, ele indica o quanto sobra das receitas fruto do esforço fiscal (ex. tributárias) após o pagamento das despesas não financeiras (ex. pessoal, custeio e investimentos) com o objetivo de honrar os compromissos de pagamento da dívida.

Para melhorar o resultado primário, por exemplo, tanto faz o governo cortar despesas de pessoal ou de investimentos. O impacto fiscal será o mesmo, porém, o impacto econômico é completamente diferente. Boa parte dos investimentos serve para ampliar e modernizar a infraestrutura, elevando a capacidade de crescimento futuro do país por meio da redução dos custos de congestionamento e do aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Ademais, é importante estimar um indicador fiscal que consiga captar, de alguma forma, a “margem de manobra” que os governos têm para honrar suas obrigações financeiras. Uma característica peculiar do Brasil em relação a outros países é o nível de rigidez orçamentária. Quando o governo decide ampliar o tamanho do estado no período de “vacas gordas”, dificilmente ele consegue reduzir quando “as vacas estão magras”, pelas várias regras inflexíveis que regem o setor público brasileiro.

Dessa forma, este trabalho sugere um indicador para medir qualitativamente como está a situação fiscal a partir da capacidade de investir dos entes. Além disso, esse indicador revela o grau de discricionariedade que o ente dispõe para gerenciar as contas públicas.

Para a estimativa desse indicador, parte-se das informações da classificação econômica das receitas e despesas constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária dos estados. Porém, é necessário fazer uma ressalva importante. Ainda não existe uma padronização bem estabelecida no registro contábil dos entes subnacionais. Trata-se de uma lacuna na legislação para aplicação dos limites estabelecidos na LRF de forma apropriada. Observa-se, para alguns entes e para algumas situações, o registro inapropriado de algumas operações que ajudam a melhorar artificialmente os indicadores fiscais. Este trabalho utilizou a informação oficial constante nos balanços.

Para explicar o cálculo do indicador, é necessário entender alguns conceitos da classificação econômica das receitas e despesas (Manual Técnico de Orçamento 2015, MPOG).

Do lado das receitas:

Receitas Correntes: são as receitas que aumentam as disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido, e constituem instrumento para financiar as políticas públicas. Classificam-se como correntes as receitas provenientes de tributos; de contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas, etc.

Receitas de Capital: são as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; conversão, em espécie, de bens e direitos; recebimento de recursos de outras pessoas de direito público ou privado.
Do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, é mais importante o ente ter mais receitas correntes que de capital, uma vez que as correntes estão sob controle da administração estadual e não geram obrigação futura. Boa parte das receitas de capital são fruto do endividamento ou da venda de ativos, algo que não é sustentável se utilizado em excesso.

Do lado das despesas:

Despesas Correntes: são aquelas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: pessoal, juros e encargos e custeio.

Despesas de Capital: são aquelas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: investimentos, inversões financeiras ou amortizações da dívida.

Em relação ao perfil do gasto, de maneira geral, é interessante ter uma participação maior das despesas de capital que das despesas correntes já que as despesas de capital estão associadas à criação ou aquisição de ativos para a sociedade (investimentos ou inversões financeiras) ou para amortizar dívidas e reduzir suas obrigações financeiras. Uma exceção a essa lógica são as despesas em educação, que em grande parte é com pessoal e promove efeitos econômicos importantíssimos de longo prazo.

A capacidade de investir com recursos próprios é calculada da seguinte forma:
Cap. Investir Rec. Próprios = Rec. Correntes (-) Desp correntes (-) Amortizações (-) Inv. Financeiras (Finc.) (-) Restos a pagar inscritos para despesas correntes (+) Restos a pagar cancelados para despesas correntes

Ou seja, o indicador mede o que sobra da arrecadação própria (sem depender do endividamento, alienação de ativos ou transferências do governo federal), após o pagamento das sobre obrigações correntes, para realizar despesas de investimentos e inversões financeiras primárias. Trata-se também de uma aproximação do grau de discricionariedade (“margem de manobra”) que o governo dispõe para honrar seus compromissos.

Ademais, é importante que esse indicador capte as restrições financeiras que os entes passam. Ao contrário do governo federal, que tem capacidade mais frouxa de elevar seu endividamento, os estados e municípios precisam de autorização da união para se endividar e, dessa forma, qualquer eventual necessidade de caixa inviabiliza a execução da despesa. Assim, o indicador também incluiu os compromissos da execução orçamentária de exercícios anteriores que ainda precisam ser pagos neste ano, os chamados restos a pagar.

Figura 1: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % da Rec. Primárias (Dados acumulados até o 5º Bimestre)
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Observações:
* Estados contabilizaram as receita dos depósitos judiciais como primárias e correntes: RJ (R$ 6,8 bi), MG (R$ 2 bi) e RS (R$ 1,8 bi).
(1) MS: Dados até 4º Bimestre informado no próprio sitio do Governo do Mato Grosso do Sul
(2) DF: Foi considerado R$ 1 bilhão de despesas de exercícios anteriores não contabilizadas no RREO
(3) SP: Não foi considerado inscrição de R$ 11 bi em RAP de pessoal

As estimativas revelam que a capacidade dos estados em investir com recursos próprios está negativa em 2%, no total até o 5º bimestre deste ano. Trata-se de uma situação de “stress financeiro” grave. Dos 27 estados, nenhum estado possuem o indicador de capacidade de investir com recursos próprios acima de 10%, nível minimamente razoável. Até o 4º bimestre, a situação era um pouco melhor, onde 3 estados ainda conseguiram obter índice maior que 10%. A tendência é que no próximo bimestre a situação piore ainda mais pela elevação das despesas com o pagamento do 13º para os servidores da ativa e aposentados.

Figura 2: Despesas com Investimentos, dados acumulados até o 5º Bimestre, % variação relação ao mesmo período do ano anterior
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Observações:
* MS: Dados até 4º Bimestre informado no próprio sitio do Governo do Mato Grosso do Sul

Dessa forma, pode-se esperar a tendência de atraso no pagamento das obrigações dos entes em pior situação financeira, não apenas para fornecedores, mas até para a folha de pagamento.

Revela-se que a situação fiscal é complexa e necessita de uma ampla agenda de reformas para seu equacionamento:

1º) Reforço do marco legal existente: restrição dos limites de endividamento, de concessão de garantias do governo federal, de permissão das excepcionalidades das garantias dos empréstimos e brecha legal que permite a concessão de aumentos salariais com repercussões no mandato posterior.

2º) Falta de padronização dos critérios para aplicação dos limites da LRF: cada estado interpreta de uma forma e, por vezes, oportunista.

3º) Reformas estruturais do gasto público: reduzindo o comprometimento das despesas de pessoal por meio da melhor aplicabilidade dos critérios de exoneração (CF e LRF), redução da jornada de trabalho, normatização do direito de greve dos servidores, critérios de reajuste salarial. Ademais, é necessário revisar as regras de aposentadorias dos servidores, de forma a estabelecer idade mínima de 65 para homens e mulheres, revisão de aposentadorias especiais para algumas categorias e revisão do sistema de pensões. Flexibilizar os critérios de aplicação mínima das despesas de custeio para torna-la mais flexível e permitir a adoção do caráter anticíclico da política fiscal.

4º) Reforma nas regras orçamentárias (Relatório do PLS 229/2009): buscar o realismo orçamentário, elevar a capacidade de planejamento do espaço fiscal de médio prazo, estabelecer fundamentação técnica para a elaboração de projetos de investimentos, limitação das despesas de restos a pagar para a disponibilidade financeira em todos os anos do mandato, reforço técnico dos instrumentos de avaliação dos programas (ex-ante e ex-post) e convergência da contabilidade aos padrões internacionais.

5º) Reformas gerenciais: focar nas atividades essenciais do estado, focar no atendimento ao cidadão (front office), integrar melhor a formulação e a execução, fusão de órgão públicos, controle e avaliação por meio do diálogo permanente, compartilhamento dos serviços de suporte, adotar novas tecnologias nos sistemas de compras e melhorar coordenação entre órgãos do governo.

Não há dúvidas que os desafios são grandes e a agenda de reformas necessárias envolve paradigmas consolidados na sociedade brasileira. Dado nossa carga tributária se aproximando de 40% do PIB, o caminho mais fácil de elevar tributos mostra-se cada vez mais esgotado. O tamanho do setor público e sua ineficiência está chegando no limite. Se não adotarmos medidas estruturais para resolvermos os problemas, estaremos em uma tendência crescente de elevação da carga tributária ou estarmos sempre fadados a reviver momentos de crise como o atual.

ARQUIVO EM PDF: ARQUIVO EM PDF Capacidade de Investir dos Estados

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Reforma do Setor Público: Construindo pelo Básico

O Brasil atravessa uma das crises mais complexas da sua história recente, que combina elementos econômicos e políticos. O processo contínuo de deterioração fiscal dos últimos anos, juntamente com a ausência de reformas estruturais, colocou o país em uma situação financeira desafiadora. Esta não é a primeira e não será a última crise que o país enfrentará, no entanto, a capacidade do governo em resolvê-la com medidas paliativas se exauriu.

Hoje, o Brasil já dispõe de elevada carga tributária, cujo montante é de 35% do PIB, contra 26% da média dos países emergentes. A capacidade de se endividar está mais limitada: a dívida bruta deve atingir 70% do PIB no curto prazo (superior ao limite prudencial em 60% do PIB e superior a média de 46% dos emergentes). Além disso, os problemas fiscais estruturais foram antecipados com o baixo dinamismo econômico. O déficit da previdência, por exemplo, passará de R$ 57 bilhões em 2014 para R$ 125 bilhões em 2016.

O desajuste fiscal foi a origem desta crise e se tornou a variável-chave para sua solução. Apenas com o processo de consolidação fiscal o país poderá reduzir, de forma sustentável, as taxas de juros e criar espaço para a retomada da atividade. Mas isso não será fácil. Devido à baixa perspectiva de crescimento no médio-prazo, o reequilíbrio das contas públicas exigirá forte esforço da sociedade e deve passar pela revisão do contrato social estabelecido na Constituição de 88. É preciso revisitar as regras de vários programas públicos, com base na experiência internacional, de forma pragmática e menos ideológica.

Além das necessárias reformas fiscais estruturais, há um espaço enorme para melhorar a eficiência do setor público por meio de reformas administrativas, ainda pouco avaliadas nos debates econômicos. Podemos observar, nas boas práticas internacionais, que os países avançados estão em processo contínuo de aprimoramento dos métodos de gestão. Desde os anos 80, a maioria dos países da OCDE passaram por pelo menos três “ondas” de reforma do estado.

Na primeira, influenciados pelos governos Thatcher e Reagan, foi dada ênfase na redução do tamanho do estado por meio da desregulamentação, privatização e descentralização. A ideia central é que o crescimento do setor privado era limitado pela alta carga tributária e elevada interferência do governo. No Brasil, essas reformas só tomaram fôlego nos anos 90.

Em seguida, os países avançados aplicaram métodos de gestão privada no setor público, que ficou conhecido como “New Public Management”. As ideias centrais eram: estímulo a competição entre os órgãos públicos e, inclusive, com o setor privado por meio de concessão ou de financiamento da demanda (subsídios ou vouchers); afrouxamento dos padrões operacionais tanto na formulação quanto na execução da política pública (“permitir que os administradores administrem”); direcionamento e controle dos órgãos públicos baseado em metas de resultado; definição do orçamento com base na performance; e terceirizar as atividades meio dos órgãos públicos para o setor privado.

Muitas das reformas do “New Public Management” funcionaram e foram adotadas por vários países. No entanto, em alguns casos, a aplicação dessa teoria gerou resultados negativos como o crescimento das áreas administrativas dos órgãos públicos, perda de qualidade dos serviços, desmotivação dos servidores e perda do controle pelo governo central dos serviços prestados. Verificou-se, por exemplo, que metas de resultado são complexas de serem quantificadas e avaliadas em várias áreas, assim como, a teoria não deixa claro as sanções que devem ser adotadas sobre as agências que não tiverem performance adequada.

Os países que mais avançaram na aplicação do “New Public Management”, como Austrália, Inglaterra e Holanda, atualmente estão ajustando, revisando e até mesmo abolindo alguma dessas reformas. Em recente estudo divulgado neste ano, a OCDE identifica haver, no momento, uma nova onda de reformas administrativas cunhada de “Building on Basics”. A ideia central é formatação de órgãos públicos com mais “front office” (atendimento) e menos “back office” (administrativo).

As principais ideias dessa tendência são: realocar recursos das áreas administrativas para as áreas de atendimento; integrar melhor o executor com as áreas de formulação das políticas; fusão de órgãos públicos dividindo unidades de processos operacionais; compartilhamento de serviços de suporte; definição de padrões operacionais em diversas áreas; separação entre a definição do orçamento e a avaliação dos resultados; controle dos resultados por meio de diálogo permanente, em vez de indicadores; redução da complexidade das informações na documentação orçamentária; e buscar maior ênfase no atendimento aos indivíduos e às empresas por meio de maior variedade de serviços. Essa nova tendência só é possível, em parte, pelas novas tecnologias na área da informação que permitem aproximar o relacionamento do governo com a sociedade.

O Brasil, de forma geral, avançou pouco nos últimos anos na área da gestão pública. Os principais marcos legais do setor público datam do início dos anos 90 e se encontram defasados com as práticas gerenciais modernas. Tome, por exemplo, as áreas de recursos humanos, onde observamos problemas desde os critérios de seleção dos servidores até os incentivos apropriados ao melhor desempenho das suas funções. Parte das boas práticas do Building on Basics podem ser aplicadas por simples atos gerenciais, no entanto, o avanço mais profundo requer mudanças nas regras do setor público brasileiro que provocam o engessamento da máquina e não geram os incentivos corretos para maior economicidade, eficácia e melhor atendimento à população.

Reformas administrativas não são panaceia, mas podem gerar ganhos econômicos significativos tanto ao governo, quanto ao privado por meio da desburocratização e da maior qualidade nos serviços públicos. Normalmente, as crises criam o ambiente propício para a discussão de reformas mais profundas e o Brasil não pode perder a oportunidade de construir uma base institucional mais eficiente para a gestão do setor público.

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Situação Fiscal e Financeira dos Estados: LRF diante da Crise Econômica Nacional

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Hoje, 19/11/2015, foi realizado o II Fórum conjunto do CONSAD (Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração), CONSEPLAN (Conselho Nacional de Secretários de Estado de Planejamento) e CONFAZ (Conselho Nacional de Secretários de Estado de Fazenda).

Tive a honra de fazer a palestra de abertura do evento onde tratei das principais questões que norteiam as finanças públicas brasileiras:
1) Por que chegamos nesta situação fiscal?
2) Como está o processo de ajuste dos estados neste ano?
3) Quais são as perspectivas?
4) Quais problemas já diagnosticados e as medidas a serem endereçadas?

Compartilho a apresentação que fiz no evento que responde, de forma objetiva, essas questões.

APRESENTAÇÃO EM PDF

O gato subiu no telhado ou o bode entrou na sala?

Existem duas expressões populares em Brasília para descrever situações complexas do cotidiano. O “gato subiu no telhado” quer dizer que você vai dar uma péssima notícia, mas em doses “homeopáticas”, como em uma sequência de fatos: o gato subiu, escorregou, caiu e, infelizmente, morreu. A expressão “bode na sala” serve para descrever uma situação em que há um complexo problema para ser solucionado, envolvendo conflitos entre vários agentes. Uma estratégia de solucionar o conflito seria colocar um bode malcheiroso na sala para desviar a atenção de todos em apontar que o bode é o problema.

Nos noticiários que estamos envolvidos no dia-a-dia, dar-se a impressão que estamos elegendo um “bode” como o problema de todos os males nacionais. Mais recentemente, escutamos questionamentos sobre a legitimidade do exercício da função da Presidente da República ou do Presidente da Câmara dos Deputados. Independentemente do mérito dessa questão, existe um problema mais amplo no país que mais se assemelha a situação de que o “gato subiu no telhado”. Ou seja, algo ruim está anunciado que irá acontecer, o governo e o congresso não têm tomado atitudes para resolver e, se continuarmos nesse ritmo, veremos que, de fato, o gato morreu.

O que devemos fazer para evitar que o gato pule do telhado? Essa pergunta envolve uma discussão ampla e multidisciplinar. Pelo fato do Brasil ser um país de dimensões continentais e fechado, normalmente inventamos soluções para nossos problemas da forma “caseira”, ou como jabuticabas (fruta que só existe no Brasil). É nesse ambiente que entram uma série de fatores que agem como forças do atraso, como: a ideologia cega, o corporativismo e o conservadorismo. Um princípio conciliador que deveríamos seguir, mas, infelizmente pouco observamos, é o pragmatismo pelas experiências internacionais (de preferência, de países bem-sucedidos).

Pegando o exemplo do problema que está mais iminente no país, o déficit das contas públicas. Olhando o perfil do demais países, o déficit fiscal brasileiro não é por causa de falta tributos, mas sim por causa do excesso de despesas mal focalizadas e com baixo retorno social. Se compararmos as despesas públicas brasileiras com os demais países, observamos que o Brasil gasta excessivamente com previdência, em torno da média com saúde e pouco com educação e infraestrutura. Nenhum país do mundo aguenta um regime de previdência onde a idade média de aposentadoria é 54 anos. Imagine quando o Brasil envelhecer! Poucos países do mundo diferenciam idade de aposentadoria de homem e mulher. No Brasil, elas se aposentam 5 anos mais cedo e vivem mais 7 anos.

A metodologia “olhem para o que o resto do mundo faz” poderia ser usado para todas as áreas da economia e da política brasileira. Peguem o caso do setor público. Na área de recursos humanos, por exemplo, há uma grande distorção do conceito aplicado aqui de estabilidade do servidor. É incrível escutar relatos de servidores, mesmo cometendo crimes em flagrante, que são reconduzidos aos cargos por ordem judicial (e olhe que não estou nem entrando no mérito do desempenho profissional). Outra distorção, em relação ao resto do mundo, é o direito a greve, onde uma pequena fração de servidores paralisam o estado como um todo e, por isso, conseguem reajustes acima da média às custas de toda sociedade. No limite, isso implica em elevação da carga tributária.

Resumidamente, seguindo os exemplos internacionais, deveríamos concentrar esforços em não aumentar a carga tributária, reduzir a despesa pública da máquina, rever as regras irracionais do setor público, elevar os serviços prestados para o cidadão como em educação, saúde e infraestrutura. No âmbito privado, criar ambiente de negócios mais atrativo, abrir a economia, estimular a competição, adotar política industrial com os incentivos apropriados e tornar as regras mais claras e racionais. Esses são os pilares das economias bem-sucedidas no mundo.

O que estamos discutindo e implementando de medidas nesse sentido? Nada. Qualquer tentativa de discussão séria sobre esses assuntos morre em simples questões ideológicas, oportunistas, demagógicas ou corporativistas. Estamos colocando o bode na sala para disfaçar que, na verdade, vários membros da sala fedem igual ao bode… e que… de fato… o gato já subiu no telhado.

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Comportamento das Finanças Públicas Estaduais pelo “Acima da Linha” em 2015

Este trabalho busca avaliar o comportamento das finanças públicas estaduais pelo resultado fiscal na metodologia “acima da linha”, com base nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Essa metodologia permite avaliarmos os principais componentes do resultado primário, como os tipos de receitas e as despesas pública.

É importante registrar que não existe uma metodologia uniforme para a contabilização das receitas e despesas primárias. Assim, a comparação entre estados pode não refletir, necessariamente, uma situação fiscal melhor ou pior, mas simplesmente formas diferentes de contabilização. Nesse sentido, o resultado medido pelo “abaixo da linha” calculado pelo Banco Central é mais confiável, no entanto ele carece de informações sobre os componentes das receitas e despesas.

O estudo sobre o resultado dos governos regionais pelo abaixo da linha em 2015, cujo título é “Esforço Fiscal do Setor Público e Comportamento das Finanças Públicas Regionais em 2015”, pode ser encontrado no endereço: https://pedrojucamaciel.com/?p=184.

Ao analisarmos os dados do resultado primário apurado até o agosto, podemos observar maior esforço fiscal dos entes estaduais neste ano, em relação ao ano anterior. Na maioria dos estados, a barra azul (resultado primário de 2015) é superior a barra laranja. Os cinco estados com menor nível de primário são o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

Gráfico 1: Superávit Primário, acumulado até agosto, em % das Receitas Primárias
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

É importante mencionar algumas especificidades que este trabalho mapeou de alguns estados. Essa melhora significativa do estado do Rio de Janeiro neste ano se deve a utilização dos depósitos judiciais que foram classificados como receitas correntes. Isso gerou um impacto positivo de R$ 7,2 bilhões. Se desconsiderássemos essa contabilidade, o estado estaria na pior colocação, com um primário deficitário em R$ 7,3 bilhões (próximo do acumulado em 12 meses pelo critério “abaixo da linha”). O estado do Mato Grosso do Sul não divulgou ainda o RREO do 4º bimestre, dessa forma foi utilizado o do bimestre anterior. O Distrito Federal teve mudança de classificação das receitas e despesas das transferências do FCDF, foram feitos os ajustes para manter a base comparável. Além disso, o Paraná não teve seu balanço assinado, podendo ainda sofrer alterações nos números.

Este trabalho propõe um outro indicador para mensurar a situação fiscal dos estados. No entanto, para seu melhor entendimento, é necessário fazer alguns esclarecimentos. Pela classificação econômica, as receitas são classificadas em correntes e capital. As receitas correntes originárias dos impostos, taxas, contribuições, etc. Já as de capital são, em geral, fruto do endividamento. Dessa forma, as melhores receitas, do ponto de vista fiscal, são as correntes. Já nas despesas, as correntes são as despesas de pessoal, juros e custeio. As despesas de capital são de investimentos e amortização da dívida. Assim, de uma forma simplificada, as despesas de capital são mais desejáveis que as correntes.

Gráfico 2: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, acumulado até agosto, em % das Receitas Primárias
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

O indicador “capacidade de investir com recursos próprios” é calculado pela subtração das receitas correntes com as despesas correntes e as despesas com amortização. Ou seja, é o montante de recursos arrecadado pelo estado (sem se endividar) que não está alocado para despesas de manutenção da máquina pública (correntes) ou para o pagamento da dívida do ente. É o quanto sobra para investir dos recursos próprios.

Observa-se, por esse indicador, que a maioria dos estados estão em uma situação pior neste ano em relação ao ano de 2014. A pergunta que se sucede é: por que os estados estão com menor capacidade de investir neste ano, apesar da melhora do resultado primário? Há três motivos para isso.

Motivo 1: Menor dinamismo das receitas

O Gráfico 3 apresenta a variação das receitas primárias de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Observa-se que, para a vasta maioria dos estados, o crescimento das receitas não foi suficiente para recompor a inflação que gira em torno de 9,5% a.a. Ou seja, há um crescimento real negativo das receitas primárias dos estados. No caso do RJ, se excluirmos as receitas dos depósitos judiciais, o crescimento seria de -10%.

Gráfico 3: Receitas Primárias, acumulado até agosto, variação anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Motivo 2: Incapacidade dos governos em cortar despesas obrigatórias, notadamente pessoal

O Gráfico 4 apresenta a variação das despesas de pessoal de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Pode-se observar que a maioria dos estados apresentaram crescimento real positivo das despesas de pessoal. Neste ano, cinco estados ultrapassaram o limite dos gastos de pessoal em relação a receita corrente líquida e outros 17 estão acima do limite prudencial. Parte dos novos governantes receberam uma conta amarga do seu antecessor, os reajustes salariais parcelados com repercussão financeira no mandato seguinte. Trata-se de uma brecha da LRF. O Projeto de Lei do Senado nº 389/2015 de autoria do Sen. Ricardo Ferraço objetiva fechar essa lacuna. Ademais, podemos observar que a folga financeira com a ampliação das autorizações de operações de crédito entre 2012 e 2014 foram destinadas à ampliação das despesas de pessoal, ou seja, houve “troca de fonte”.

Gráfico 4: Despesas de Pessoal, acumulado até agosto, variação anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Motivo 3: Ajuste fiscal pelo corte dos investimentos

Com a piora da arrecadação e aumento das despesas obrigatórias, a restrição financeira fez com que os estados fizessem o ajuste nas despesas discricionárias, notadamente os investimentos. Infelizmente é o componente do gasto que gera maior retorno por ampliar a infraestrutura, além de promover maior efeito multiplicador na atividade econômica e ajudar o país a sair da recessão.

Um problema adicional em cortar investimentos se deve a paralisação de obras. Quando isso ocorre, os projetos passam necessariamente por uma revisão (para cima) nos preços, pelos custos associados à desmobilização de pessoal e equipamentos das obras. Trata-se de algo muito perverso do ponto de vista econômico e social. Os investimentos são as despesas que mais precisam de previsibilidade e são as que mais sofrem flutuações, não é à toa que a qualidade do gasto público é baixíssima no Brasil.

Observa-se que a maioria dos estados cortaram em mais de 50% os investimentos neste ano, se comparado com o ano anterior. Apenas o estado do Amapá conseguiu ampliar os investimentos em 2015. Assim, o corte das despesas no investimento explica a melhora no resultado primário dos governos estaduais ao mesmo tempo que a capacidade de investir com recursos próprios caísse, já que se observou menor crescimento das receitas e maior gasto com despesas corrente.

Gráfico 5: Despesas com investimentos, acumulado até agosto, variação anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Resultados e Conclusões

Podemos observar que os estados passam por um processo de ajuste fiscal em relação ao ano anterior. Esse resultado está consistente com os dados apurados pela metodologia “abaixo da linha” do Banco Central. No entanto, devido a rigidez legal e orçamentária do setor público brasileiro, o ajuste fiscal foi de baixa qualidade, reduzindo a capacidade de investimento com recursos próprios. Os motivos para a baixa qualidade do ajuste foram o menor dinamismo da arrecadação, o maior comprometimento com despesas obrigatórias (notadamente pessoal) e corte drástico nos investimentos públicos. Dessa forma, devido à grave situação fiscal, os estados atuam de forma pró-cíclica e agravam os efeitos recessivos da crise econômica. Enquanto o setor público for regido por regras que ampliam as despesas obrigatórias, combinadas com a rigidez gerencial, o que podemos esperar é o aumento da carga tributária e o tamanho do, cada vez mais ineficiente, estado brasileiro. Quantas novas crises serão necessárias para aprendermos isso?

Arquivo em PDF

Esforço Fiscal do Setor Público e Comportamento das Finanças Públicas Regionais em 2015

Esta nota tem o objetivo de avaliar como está o processo de ajuste fiscal dos governos regionais em 2015, analisar as perspectivas de cumprimento da meta estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e verificar quais estados estão mais contribuindo favoravelmente e negativamente para o desempenho fiscal até o momento. Utilizou-se os dados da última Nota de Política Fiscal do Banco Central divulgada em 30/9, que traz informações até o mês de agosto de 2015.

Observamos, neste ano, que o baixo dinamismo da atividade econômica, provocando redução das receitas (queda de 3,7% real para o governo federal no acumulado até agosto) e a incapacidade de redução das despesas devida à rigidez orçamentária e administrativa do setor público brasileiro, tem levado a um cenário bastante desafiador para as autoridades fiscais tanto no nível federal, quanto no nível regional.

Gráfico 1: Superávit Primário, acumulado em 12 meses, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

No entanto, podemos observar, pelo Gráfico 1, que os governos regionais iniciaram processo de recuperação do resultado primário, enquanto o governo federal ainda está com tendência de deterioração. Apesar da crise afetar todos os níveis de governo, os governos regionais sofrem uma restrição maior: sua capacidade limitada de se endividar com o mercado. Essa restrição é originada dos acordos estabelecidos durante a renegociação das dívidas na década de 90, assim como pela exigência dos agentes financeiros de garantias da União, que, a partir deste ano, praticamente interrompeu a concessão.

Assim, os governos regionais sofrem restrições de caráter financeiro para execução dos seus orçamentos, o que tem gerado essa melhora forçada no seu resultado primário. Porém, é importante mencionar que essa evolução do primário esconde uma triste realidade: muitos estados apenas a conseguiram por meio do atraso do pagamento das despesas. Atualmente pelo menos 10 estados estão com problemas de pagar em dia até a folha de pessoal, a categoria de gasto que qualquer governante evita atrasar por provocar graves problemas políticos. Atrasar pagamentos não é fazer ajuste fiscal. A obrigação ainda existe e implicará em menor resultado primário futuro.

O Gráfico 2 apresenta o resultado primário dos governos regionais acumulado no ano até o mês de referência. Observa-se que resultado do primário iniciou 2015 muito superior aos anos anteriores, inclusive em relação a 2011 (ano que encerrou com maior resultado primário da série histórica). Porém, é provável que esse início surpreendentemente positivo tenha relação com o péssimo resultado de dezembro de 2014 (Gráfico 3). Em fevereiro, o resultado seguiu o comportamento histórico, elevando-se em R$ 5 bilhões ante janeiro. No mês de março, houve uma reversão da tendência e foi registrado o primeiro déficit para o mês desde 1998, em R$ 1,1 bilhão. De abril a junho, o resultado voltou ao padrão positivo médio dos anos de 2012 e 2013 e, nos meses de julho e agosto, o resultado perdeu certo dinamismo, porém ainda permanece melhor que 2014.

Gráfico 2: Superávit Primário dos Governos Regionais, acumulado no ano, em R$ milhões de agosto de 2015
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Fonte: Banco Central do Brasil

A meta de resultado primário estabelecida no LDO dos Governos Regionais para 2015 é R$ 11 bilhões. O que podemos observar, pelo Gráfico 3, é que o mês de dezembro, principalmente pelo pagamento do 13º salário, se mostra um mês com impulso fiscal negativo da ordem de R$ 5 a R$ 6 bilhões, em relação ao mês de novembro. Dessa forma, para elevarmos as chances de alcançar a meta, seria necessário o acúmulo do primário para um valor superior a R$ 17 bilhões até novembro, o que implica em acumular um primário de R$ 1 bilhão nos próximos 3 meses. Trata-se de algo possível se olharmos para o padrão histórico de anos sem eleições estaduais.

Gráfico 3: Superávit Primário dos Governos Regionais, mensal, em R$ milhões de agosto de 2015
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Fonte: Banco Central do Brasil

Como anda o resultado fiscal de cada unidade da federação?

Foram utilizados dados individualizados dos estados apurados pelo critério abaixo da linha, como fonte o Banco Central (metodologia oficial para fins de cumprimento das metas do setor público). É importante destacar que as informações apresentadas nesta seção se referem à Unidade da Federação, incluindo o governo estadual e as administrações municipais. Infelizmente, os dados disponíveis estão apenas na base acumulada em 12 meses, o que não permite uma análise desagregada do período recente.

O Gráfico 4 apresenta os estados que estão com posição fiscal superavitária no acumulado de 12 meses até agosto de 2015. Observa-se que Minas Gerais (governo estadual e municípios) dispõe de maior superávit, no total de R$ 2,0 bilhões. Em seguida temos o Rio Grande do Sul e Goiás com, respectivamente, R$ 1,6 bilhão e 1,1 bilhão.

Gráfico 4: Estados com Superávit Primário, acum. 12 meses em agosto, R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

O Gráfico 5 apresenta os estados que apresentam posição deficitária no acumulado de 12 meses até agosto de 2015. O Rio de Janeiro se encontra, destacadamente, na pior posição dos governos regionais em 2015. Repercutem sobre as finanças do RJ (estado e municípios) a forte queda na arrecadação dos royalties, das receitas tributárias próprias com menor dinamismo econômico e paralizações de algumas operações e investimentos da Petrobrás, além do elevado comprometimento de despesas inadiáveis com as olimpíadas que são financiadas, em boa parte, por operações de crédito.

Gráfico 5: Estados com Déficit Primário, acumulado 12 meses em agosto, R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

Define-se impulso fiscal de 2015 como a diferença do resultado fiscal acumulado em 12 meses em agosto de 2015 com dezembro de 2014. Ou seja, o quanto as contas públicas dos estados melhoraram ou pioraram neste ano, no acumulado de 12 meses.

No Gráfico 6, podemos verificar que o destaque positivo de 2015 tem sido o estado da de São Paulo, que saiu de um déficit de R$ 3,4 bilhões em dezembro de 2014 para um superávit de 137 milhões em agosto, gerando um impulso positivo de R$ 3,5 bilhões. Em seguida temos Pernambuco, Ceará, Alagoas e Mato Grosso. Ressalta-se, novamente, que essa variável é mensurada no acumulado de 12 meses, pois é a única informação disponível que temos.

Gráfico 6: Impulso Fiscal Superavitário até agosto 2015, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

Do lado negativo (Gráfico 7), o destaque é Minas Gerais que reduziu seu primário de R$ 3,1 bilhões em 2014 para R$ 2,0 bilhões em agosto. Com isso, o estado contribuiu para um impulso negativo de R$ 1,1 bilhão no acumulado de 12 meses neste ano.

Gráfico 7: Impulso Fiscal Deficitário até agosto 2015, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

O Gráfico 8 apresenta o comportamento do resultado primário no final de 2014, no primeiro e segundo quadrimestre de algumas UFs. Observa-se que Minas Gerais e Goiás chegaram a melhorar seu primário (acumulado em 12 meses) em abril, mas reduziram o nível no segundo quadrimestre. Os estados do Rio Grande do Sul, Alagoas, Pernambuco e São Paulo, melhoraram sua posição fiscal de forma contínua ao longo do ano. Já o Distrito Federal apresenta processo continuo de deterioração.

Gráfico 8: Destaques de Variação no Resultado Fiscal, acum. 12 meses, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

Resumidamente, o que podemos observar até o segundo quadrimestre deste ano é que o resultado dos governos regionais tem sido superior ao do ano de 2014, devido à restrição financeira que afetou a grande maioria dos entes federados. Essa restrição financeira foi originária da redução das receitas tributárias e de transferência, além da maior limitação dos entes se endividarem, com o maior rigor de autorização de garantias pelo Ministério da Fazenda. Revela-se que o esforço de recuperação do resultado primário dos governos regionais tem sido superior ao do governo federal. Ademais, se a tendência observada até o segundo quadrimestre continuar, com base na média histórica dos últimos 4 anos, é possível que os entes federados, como um todo, cumpram sua meta de primário do ano. Vale lembrar que o primário não querer dizer necessariamente esforço fiscal. Há vários governos que estão postergando o pagamento das despesas que, basicamente, implica na melhora do primário de hoje, ante o menor primário no futuro.

“Nova Lei das Finanças Públicas”: Audiência Pública no Senado Federal

No dia 23/9/2015 foi realizada Audiência Pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal para tratar do PLS 229/2009, a “Nova Lei das Finanças Públicas”, com as presenças do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Tarcísio Godoy, do Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Dyogo Oliveira, do Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Hélio Tollini, do Consultor de Orçamento do Senado, Fernando Moutinho e do Consultor Legislativo do Senado, Marcos Mendes. O projeto é de autoria do Senador Tasso Jereissati e o Senador Ricardo Ferraço, como relator, apresentou um substitutivo atualizando o projeto com as tendências e problemas observados na gestão orçamentária dos últimos 6 anos.

O projeto buscou dividir atribuições com a LRF, de tal forma que esta praticamente não necessitará de modificações para se adaptar. Assim, as regras fiscais propriamente ditas ficam com a LRF, e a nova lei cuida do processo de gestão do ciclo orçamentário, do planejamento ao controle. Trata-se de uma medida estruturante para as finanças públicas, que vai justamente complementar a Lei de Responsabilidade Fiscal, objetivando racionalizar a gestão das finanças públicas, melhorar a qualidade do gasto e reforçar os princípios de responsabilidade fiscal.

A nova lei, longa e complexa, aborda várias frentes do processo de planejamento e orçamento da União e dos entes federados. Ao todo, o substitutivo do relatório contém 97 artigos que trata de todo o ciclo de planejamento, do orçamento, da execução, do controle e da contabilidade. Foi fruto do trabalho conjunto de uma equipe de técnicos da Câmara e do Senado, além de receber contribuições de outros especialistas em contabilidade e controle.

O substitutivo teve a preocupação de endereçar medidas para resolver os seguintes problemas:

o Desarticulação e irrealismo do planejamento público
o Baixa qualidade dos gastos públicos (notadamente os investimentos)
o Gestão fiscal de curto prazo e na “boca do caixa”
o Irrealismo orçamentário e interrupção de programas de governo
o Acúmulo de restos a pagar
o Falta de transparência e controle
o Falta de convergência aos padrões internacionais de contabilidade e melhoria na qualidade dos demonstrativos

Dentre as várias alterações previstas na nova lei, consta a antecipação do envio e da apreciação do PPA para os mesmos prazos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com encaminhamento até 30 de abril e aprovação até 17 de julho. O objetivo é compatibilizar PPA e LDO no primeiro ano do mandato. O PPA é simplificado e passa a ser obrigatoriamente baseado no programa do candidato eleito ao cargo no Executivo.

A lei prevê a criação do Sistema Nacional de Projetos de Investimentos e um Banco de Projetos. O objetivo é definir as normas gerais para formulação, execução e avaliação dos projetos de investimentos. A exigência é dada para o Governo Federal, Estados e Municípios com mais de 200 mil habitantes. O Banco de Projetos traz informações geo-referenciadas das obras pretendidas, com cronograma físico-financeiro e o agente público responsável, permitindo o acompanhamento da obra por meio de sistema informatizado. Qualquer projeto de investimento tem de constar nesse banco para ser inserido na Lei Orçamentária Anual. O objetivo é buscar melhor avaliação técnica das iniciativas de investimentos antes de inseri-las no orçamento e evitar “surpresas” durante a execução.

Exige-se, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o planejamento fiscal de médio prazo, indicando o espaço fiscal para novos projetos e impedir que se assumam obrigações sem as devidas fontes de recursos. Além disso, a LDO define a previsão de receita que deverá constar na Lei Orçamentária Anual. O objetivo é quebrar os incentivos que existem hoje, onde os congressistas elevam artificialmente a previsão de receita para colocar suas emendas, o que torna o orçamento irrealista.

Na Lei Orçamentária Anual, exige-se um quadro em anexo que contenha as estimativas de desembolso para cada projeto de investimento plurianual. Atualmente, os projetos de investimentos novos competem no orçamento com os projetos em execução, o que traz problemas de interrupção de obras por falta de recursos.

Na execução orçamentária, exige-se o fortalecimento do mecanismo criado na LRF de inscrição de restos a pagar. Está previsto que o governante só poderá inscrever despesas em restos a pagar se tiver saldo suficiente em caixa em todos os anos de seu exercício. O objetivo é restringir a assunção de obrigações sem ter disponibilidade financeira para honrá-las. Na área de contabilidade, exigi-se a convergência da contabilidade do setor público aos padrões internacionais, tendência já observada no Brasil.

No final da audiência, ficou definida a criação de um grupo de trabalho do Congresso com o MF e MPOG para buscar solucionar possíveis arestas que existem entre a proposta contida no relatório do Senador Ricardo Ferraço e as demandas do Governo. Na audiência, ficou claro que esse projeto deve ser visto como uma medida suprapartidária e que tem um caráter estruturante para melhor gestão das finanças públicas no país.

O video completo da audiência pública encontra-se no link abaixo:

Assim como os arquivos das apresentações da Audiência:

Tarcísio José Massote de Godoy
Secretário Executivo do Ministério da Fazenda
– Apresentação – MF

Dyogo Henrique de Oliveira
Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
– Apresentação – MPOG

Hélio Tollini
Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados
– Apresentação – CD – Consultoria Legislativa

Fernando Moutinho
Consultor de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal
– Apresentação – SF – Consultoria de Orçamentos

Marcos José Mendes
Consultor Legislativo do Senado Federal

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Ajuste fiscal brasileiro: por mais pragmatismo e menos ideologia

Todos sabemos que o Brasil está mergulhado em uma grave crise econômica, cuja origem está no desajuste das contas em todos os níveis da administração pública. A grande maioria dos entes federados passam por situação fiscal dramática, atrasando pagamento a fornecedores, salários e até os pagamentos da dívida junto à União. Os últimos dados divulgados sobre as finanças públicas mostram o processo contínuo de deterioração fiscal que ainda não terminou. O déficit nominal (soma do resultado primário e a conta de juros) do setor público consolidado atingiu 8,8% do PIB no acumulado de 12 meses em julho, trata-se de um dos maiores déficits do mundo e bem superior à média dos países emergentes, de 3,7% do PIB. A dívida bruta atingiu 64,6%, mais de 20 pontos percentuais superior à média dos países emergentes (43,9% do PIB).

Este artigo não tem o objetivo de discutir os erros do passado que nos levaram para essa situação, mas sim apontar possíveis soluções para resolvermos o problema. Primeiramente, defende-se, firmemente, a ideia que o ajuste fiscal deve se concentrar no lado das despesas por pelo menos três motivos: (i) o ajuste fiscal pela elevação de tributos não é a forma mais eficiente, pois tende a elevar o preço dos produtos, pressionar a inflação e gerar um comportamento não-cooperativo do Banco Central em aumentar a taxa de juros e as despesas financeiras [constante no World Economic Outlook (2010)]; (ii) a carga tributária do país já está excessivamente alta para os padrões de países em desenvolvimento, elevá-la ainda mais pode provocar aumento da informalidade e evasão fiscal; (iii) elevar os tributos irá reduzir ainda mais a competitividade da economia brasileira, desestimulando a produção e reduzindo o potencial de crescimento e bem-estar de longo prazo do país. Ressalta-se que o foco na despesa não significa que o sistema tributário não precise de reformas com objetivo de torna-lo mais eficiente, simplifica-lo e elevar sua progressividade.

Para avaliar as possíveis frentes de batalha para reduzir a despesa pública (ou reduzir sua taxa de crescimento), parte-se do resultado do Tesouro Nacional de 2014 que mostra como está a alocação dos recursos públicos pelo Governo Federal (Tabela 1). Observa-se que 38% do gasto público vai para previdência (Regime Geral), 21% para pessoal (ativos, inativos e pensionistas), 15% para o custeio e capital obrigatório, 19% para o discricionário e 6% para o PAC. É importante mencionar que o termo “discricionário” não quer dizer exatamente que as despesas podem ser cortadas. Por exemplo, a saúde tem regra de aplicação mínima, as despesas de educação estão vinculadas à receita de impostos, o programa Bolsa Família é classificado como discricionário, mas já se tornou um programa com características de permanente. Além disso, nos demais ministérios (4,7% do gasto), há outras formas de rigidez.

Principais Componentes da Despesa Pública Federal Primária em 2014, em R$ milhões
tabela 1
Fonte: Resultado do Tesouro Nacional / Ministério da Fazenda

Assim, a liberdade que o governo tem para cortar despesas sofre de duas restrições: (i) as despesas que não são obrigatórias de facto representam uma pequeníssima parte do orçamento e (ii) mesmo sobre essa pequena fração, o governo tem amarras legais na gestão pública que limitam sua capacidade de enxugar o gasto. Tome, por exemplo, proposta que escutamos na praça de fusão de ministérios e órgãos públicos. Não tenho dúvidas que gerencialmente será melhor para o governo ter menos órgãos, mas o seu impacto sobre o gasto público é limitado, já que os servidores que trabalham nesses órgãos não podem ser demitidos, dado a estabilidade que os funcionários públicos detêm no Brasil (diga-se de passagem, trata-se de algo bem distorcido em relação a outros países). A economia se restringe a cortar alguns cargos comissionados e uma limitada fração das despesas de custeio. É importante? É, mas não resolve nosso problema.

Por falar em comissionados, outra proposta popular, fiz uma estimativa dos impactos fiscais do corte desses cargos. De acordo com o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, em março de 2015 tínhamos 99.756 cargos comissionados no poder executivo federal, sendo que os DAS correspondem a 22.504. Em 2002, tínhamos um total de 68.931 cargos. Vamos estimar o impacto fiscal da redução de 30 mil cargos comissionados para o mesmo nível de 2002 (algo bem audacioso). Fato: cerca de 75% dos cargos comissionados no governo federal (DAS) são ocupados por servidores de carreira do setor público. Pela regra, a maioria desses servidores optam por receber 60% do benefício e o salário de carreira. Dessa forma, fazendo as estimativas utilizando o valor do benefício (utiliza-se o DAS como parâmetro), a proporção de servidores em cada nível e a fração que são de carreira, chega-se a um valor em torno de R$ 90 milhões mensais (ou R$ 1,2 bilhão anual). Esse montante é importante? Claro, mas com certeza não é isso que irá resolver o problema fiscal do Brasil cuja magnitude é superior a R$ 50 bilhões e crescente.

Parece que o governo apontou o caminho correto para resolver o desequilíbrio fiscal com um “programa fiscal de longo prazo”, que mais se assemelha ao que a literatura internacional chama de “medium-term plan” e o que a maioria dos países que passam por consolidação fiscal aplicam. Blanchard, Dell´Ariccia and Mauro, no texto “Rethinking Macroeconomic Policy: Geting Granular”, sugere que esse tipo de plano deve ser detalhado e ter credibilidade entre os agentes econômicos (algo que precisa ser trabalhado no Brasil). Ademais, no processo de consolidação fiscal, o plano deve se concentrar em reformas estruturais, principalmente relacionadas ao envelhecimento da população, que indique a solvência das contas públicas no longo prazo, sem produzir efeitos recessivos de curto prazo. No plano anunciado pelo governo, as “principais linhas de ação” são a previdência, pessoal, saúde e reforma administrativa. O governo não detalhou as propostas sobre essas áreas.

O principal problema fiscal brasileiro, sem dúvidas, é a previdência. Imaginávamos que o agravamento só iria ocorrer no médio-prazo, mas com a redução do crescimento econômico, paralização do processo de formalização e aumento do desemprego, o problema estourou nas contas já deste ano. De acordo com o governo, o déficit do regime geral em 2014 foi de R$ 57 bilhões e está previsto R$ 125 bilhões para 2016 (mais que o dobro em 2 anos!). Essas despesas crescem em velocidade maior que o PIB e consomem 40% das despesas primárias totais. As regras de aposentadorias no Brasil são completamente distorcidas ao padrão internacional, a idade média é de apenas 54 anos! O país precisa convergir ao padrão internacional de aposentadoria: (i) acabar com diferenciação de idade de aposentadoria de homem e mulher (principal); (ii) definir idade mínima de 65 anos e (iii) rever todas regras das aposentadorias especiais para certas categorias. As discussões que vimos neste ano vão na contramão dessa necessidade. No congresso, votaram o fim do fator previdenciário e o governo está tentando algo muito aquém da necessidade, como a regra 85/95, por sofrer de limitações políticas e problemas ideológicos na sua base de sustentação.

Relativo às despesas de pessoal (R$ 220 bi em 2014), há duas frentes de batalha. A primeira se refere ao pessoal ativo. Marcos Mendes fez um ótimo artigo em 2011 “o que fazer para melhorar a eficiência dos servidores públicos e reduzir as despesas de pessoal do governo?” Entre as várias sugestões, destaco: (i) melhorar planejamento da força de trabalho e estabelecer cronograma anual de concursos; (ii) aprimorar os concursos públicos, evitando provas “decorebas”, incorporando critérios de experiência profissional e de habilidades cognitivas; (iii) evitar o excesso de qualificação; (iv) buscar profissionalização e ascensão por mérito; (v) criar carreiras não vinculadas a órgão específicos, adiciono que poderíamos flexibilizar as atuais, reduzindo a necessidade de novas contratações; (vi) competição e mérito na distribuição das funções comissionadas; (vii) reformulação e enxugamento das funções gratificadas; (viii) Progressões seletivas ao longo da carreira, não apenas pelo tempo, mas pelo desempenho. (ix) fixação dos vencimentos a partir de comparações com o setor privado (prática comum no mundo). Nesse quesito, fomos na contramão, reduzindo a quantidade de níveis das carreiras, o que torna o salário inicial próximo ao do final da carreira; e (x) regulamentação do direito de greve dos servidores

Em relação às regras com inativos, da mesma forma que no setor privado, deve-se buscar elevar a idade mínima para 65 anos para homens e mulheres, além de rever regras especiais para algumas carreiras. Em relação aos militares, principal folha do poder executivo, a última reforma no ano 2000 foi muito aquém do necessário para equilibrar as despesas de pessoal. Hoje, 61% das despesas com pessoal militar se refere a pagamento de aposentadorias (R$ 18 bi) e pensões (R$ 11 bi). O regime dos militares não tem idade mínima de aposentadoria (30 anos de contribuição) e a contribuição previdenciária é de apenas 7,5% (ante os 11% dos servidores civis). Ademais, para os militares que ingressaram antes do ano 2000, foi dado a opção de estender a pensão para as filhas com a contribuição adicional de 1,5% (totalizando 9%). Deve-se avaliar a extinção desse benefício antiquado e ressarcir os militares que contribuíram sobre esse adicional ou manter o benefício e pagar pensão apenas com base na capitalização desses 1,5%.

A área da saúde consome maior parte do custeio federal com gastos de R$ 85 bi em 2014, equivalente a 8,2% da despesa total federal. O setor tende a exigir cada vez mais recursos com o envelhecimento da população. O Brasil não gasta pouco com saúde em termos relativos a outros países, porém os indicadores setoriais do brasil são significativamente inferiores, o que indica haver enormes perdas de eficiência. Em um estudo feito pelo Banco Mundial, verificou-se que a média de eficiência dos hospitais brasileiros (que consomem 70% dos recursos da área de saúde) é de apenas 30% em comparação ao hospital brasileiro mais eficiente. Há uma agenda importante para buscar formas gerenciais flexíveis e explorar economias de escala dos hospitais, melhorar a atenção básica, definir o relacionamento apropriado com a saúde suplementar (planos de saúde), bem como avaliar outras dimensões do gasto que possuem efeitos indireto sobre a saúde, como a área de saneamento.

Em relação à administração pública, é necessário extrapolar o pensamento imediatista de cortar x ministérios ou y cargos de confiança e repensar o estado brasileiro de uma forma mais profunda. Fazer o que os demais países fazem quando enfrentam forte crise: (i) reavaliar todos os programas de governo para ver se ainda fazem sentido (análise de custo-benefício) dado seus objetivos; (ii) focar esforços do governo em prestar serviços finais para a sociedade, mantendo a estrutura administrativa mínima, por meio da diminuição da rigidez administrativa; (iii) fechar órgãos e escritórios (ex. embaixadas) para explorar economias de escala; (iv) criar marco legal que dê maior liberdade aos gestores públicos administrar os recursos humanos e realocar para áreas mais carentes; (v) propor reformas que fazem com que o financiamento do estado (tributação) seja mais eficiente e gere menor efeito negativo sobre a economia. Está na hora de dar um freio de arrumação sobre um estado que só fez crescer nos últimos anos e cujo retorno, em termos de políticas públicas de qualidade, tem sido bastante questionado.

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