“Nova Lei das Finanças Públicas”: Audiência Pública no Senado Federal

No dia 23/9/2015 foi realizada Audiência Pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal para tratar do PLS 229/2009, a “Nova Lei das Finanças Públicas”, com as presenças do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Tarcísio Godoy, do Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Dyogo Oliveira, do Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Hélio Tollini, do Consultor de Orçamento do Senado, Fernando Moutinho e do Consultor Legislativo do Senado, Marcos Mendes. O projeto é de autoria do Senador Tasso Jereissati e o Senador Ricardo Ferraço, como relator, apresentou um substitutivo atualizando o projeto com as tendências e problemas observados na gestão orçamentária dos últimos 6 anos.

O projeto buscou dividir atribuições com a LRF, de tal forma que esta praticamente não necessitará de modificações para se adaptar. Assim, as regras fiscais propriamente ditas ficam com a LRF, e a nova lei cuida do processo de gestão do ciclo orçamentário, do planejamento ao controle. Trata-se de uma medida estruturante para as finanças públicas, que vai justamente complementar a Lei de Responsabilidade Fiscal, objetivando racionalizar a gestão das finanças públicas, melhorar a qualidade do gasto e reforçar os princípios de responsabilidade fiscal.

A nova lei, longa e complexa, aborda várias frentes do processo de planejamento e orçamento da União e dos entes federados. Ao todo, o substitutivo do relatório contém 97 artigos que trata de todo o ciclo de planejamento, do orçamento, da execução, do controle e da contabilidade. Foi fruto do trabalho conjunto de uma equipe de técnicos da Câmara e do Senado, além de receber contribuições de outros especialistas em contabilidade e controle.

O substitutivo teve a preocupação de endereçar medidas para resolver os seguintes problemas:

o Desarticulação e irrealismo do planejamento público
o Baixa qualidade dos gastos públicos (notadamente os investimentos)
o Gestão fiscal de curto prazo e na “boca do caixa”
o Irrealismo orçamentário e interrupção de programas de governo
o Acúmulo de restos a pagar
o Falta de transparência e controle
o Falta de convergência aos padrões internacionais de contabilidade e melhoria na qualidade dos demonstrativos

Dentre as várias alterações previstas na nova lei, consta a antecipação do envio e da apreciação do PPA para os mesmos prazos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com encaminhamento até 30 de abril e aprovação até 17 de julho. O objetivo é compatibilizar PPA e LDO no primeiro ano do mandato. O PPA é simplificado e passa a ser obrigatoriamente baseado no programa do candidato eleito ao cargo no Executivo.

A lei prevê a criação do Sistema Nacional de Projetos de Investimentos e um Banco de Projetos. O objetivo é definir as normas gerais para formulação, execução e avaliação dos projetos de investimentos. A exigência é dada para o Governo Federal, Estados e Municípios com mais de 200 mil habitantes. O Banco de Projetos traz informações geo-referenciadas das obras pretendidas, com cronograma físico-financeiro e o agente público responsável, permitindo o acompanhamento da obra por meio de sistema informatizado. Qualquer projeto de investimento tem de constar nesse banco para ser inserido na Lei Orçamentária Anual. O objetivo é buscar melhor avaliação técnica das iniciativas de investimentos antes de inseri-las no orçamento e evitar “surpresas” durante a execução.

Exige-se, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o planejamento fiscal de médio prazo, indicando o espaço fiscal para novos projetos e impedir que se assumam obrigações sem as devidas fontes de recursos. Além disso, a LDO define a previsão de receita que deverá constar na Lei Orçamentária Anual. O objetivo é quebrar os incentivos que existem hoje, onde os congressistas elevam artificialmente a previsão de receita para colocar suas emendas, o que torna o orçamento irrealista.

Na Lei Orçamentária Anual, exige-se um quadro em anexo que contenha as estimativas de desembolso para cada projeto de investimento plurianual. Atualmente, os projetos de investimentos novos competem no orçamento com os projetos em execução, o que traz problemas de interrupção de obras por falta de recursos.

Na execução orçamentária, exige-se o fortalecimento do mecanismo criado na LRF de inscrição de restos a pagar. Está previsto que o governante só poderá inscrever despesas em restos a pagar se tiver saldo suficiente em caixa em todos os anos de seu exercício. O objetivo é restringir a assunção de obrigações sem ter disponibilidade financeira para honrá-las. Na área de contabilidade, exigi-se a convergência da contabilidade do setor público aos padrões internacionais, tendência já observada no Brasil.

No final da audiência, ficou definida a criação de um grupo de trabalho do Congresso com o MF e MPOG para buscar solucionar possíveis arestas que existem entre a proposta contida no relatório do Senador Ricardo Ferraço e as demandas do Governo. Na audiência, ficou claro que esse projeto deve ser visto como uma medida suprapartidária e que tem um caráter estruturante para melhor gestão das finanças públicas no país.

O video completo da audiência pública encontra-se no link abaixo:

Assim como os arquivos das apresentações da Audiência:

Tarcísio José Massote de Godoy
Secretário Executivo do Ministério da Fazenda
– Apresentação – MF

Dyogo Henrique de Oliveira
Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
– Apresentação – MPOG

Hélio Tollini
Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados
– Apresentação – CD – Consultoria Legislativa

Fernando Moutinho
Consultor de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal
– Apresentação – SF – Consultoria de Orçamentos

Marcos José Mendes
Consultor Legislativo do Senado Federal

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Ajuste fiscal brasileiro: por mais pragmatismo e menos ideologia

Todos sabemos que o Brasil está mergulhado em uma grave crise econômica, cuja origem está no desajuste das contas em todos os níveis da administração pública. A grande maioria dos entes federados passam por situação fiscal dramática, atrasando pagamento a fornecedores, salários e até os pagamentos da dívida junto à União. Os últimos dados divulgados sobre as finanças públicas mostram o processo contínuo de deterioração fiscal que ainda não terminou. O déficit nominal (soma do resultado primário e a conta de juros) do setor público consolidado atingiu 8,8% do PIB no acumulado de 12 meses em julho, trata-se de um dos maiores déficits do mundo e bem superior à média dos países emergentes, de 3,7% do PIB. A dívida bruta atingiu 64,6%, mais de 20 pontos percentuais superior à média dos países emergentes (43,9% do PIB).

Este artigo não tem o objetivo de discutir os erros do passado que nos levaram para essa situação, mas sim apontar possíveis soluções para resolvermos o problema. Primeiramente, defende-se, firmemente, a ideia que o ajuste fiscal deve se concentrar no lado das despesas por pelo menos três motivos: (i) o ajuste fiscal pela elevação de tributos não é a forma mais eficiente, pois tende a elevar o preço dos produtos, pressionar a inflação e gerar um comportamento não-cooperativo do Banco Central em aumentar a taxa de juros e as despesas financeiras [constante no World Economic Outlook (2010)]; (ii) a carga tributária do país já está excessivamente alta para os padrões de países em desenvolvimento, elevá-la ainda mais pode provocar aumento da informalidade e evasão fiscal; (iii) elevar os tributos irá reduzir ainda mais a competitividade da economia brasileira, desestimulando a produção e reduzindo o potencial de crescimento e bem-estar de longo prazo do país. Ressalta-se que o foco na despesa não significa que o sistema tributário não precise de reformas com objetivo de torna-lo mais eficiente, simplifica-lo e elevar sua progressividade.

Para avaliar as possíveis frentes de batalha para reduzir a despesa pública (ou reduzir sua taxa de crescimento), parte-se do resultado do Tesouro Nacional de 2014 que mostra como está a alocação dos recursos públicos pelo Governo Federal (Tabela 1). Observa-se que 38% do gasto público vai para previdência (Regime Geral), 21% para pessoal (ativos, inativos e pensionistas), 15% para o custeio e capital obrigatório, 19% para o discricionário e 6% para o PAC. É importante mencionar que o termo “discricionário” não quer dizer exatamente que as despesas podem ser cortadas. Por exemplo, a saúde tem regra de aplicação mínima, as despesas de educação estão vinculadas à receita de impostos, o programa Bolsa Família é classificado como discricionário, mas já se tornou um programa com características de permanente. Além disso, nos demais ministérios (4,7% do gasto), há outras formas de rigidez.

Principais Componentes da Despesa Pública Federal Primária em 2014, em R$ milhões
tabela 1
Fonte: Resultado do Tesouro Nacional / Ministério da Fazenda

Assim, a liberdade que o governo tem para cortar despesas sofre de duas restrições: (i) as despesas que não são obrigatórias de facto representam uma pequeníssima parte do orçamento e (ii) mesmo sobre essa pequena fração, o governo tem amarras legais na gestão pública que limitam sua capacidade de enxugar o gasto. Tome, por exemplo, proposta que escutamos na praça de fusão de ministérios e órgãos públicos. Não tenho dúvidas que gerencialmente será melhor para o governo ter menos órgãos, mas o seu impacto sobre o gasto público é limitado, já que os servidores que trabalham nesses órgãos não podem ser demitidos, dado a estabilidade que os funcionários públicos detêm no Brasil (diga-se de passagem, trata-se de algo bem distorcido em relação a outros países). A economia se restringe a cortar alguns cargos comissionados e uma limitada fração das despesas de custeio. É importante? É, mas não resolve nosso problema.

Por falar em comissionados, outra proposta popular, fiz uma estimativa dos impactos fiscais do corte desses cargos. De acordo com o Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, em março de 2015 tínhamos 99.756 cargos comissionados no poder executivo federal, sendo que os DAS correspondem a 22.504. Em 2002, tínhamos um total de 68.931 cargos. Vamos estimar o impacto fiscal da redução de 30 mil cargos comissionados para o mesmo nível de 2002 (algo bem audacioso). Fato: cerca de 75% dos cargos comissionados no governo federal (DAS) são ocupados por servidores de carreira do setor público. Pela regra, a maioria desses servidores optam por receber 60% do benefício e o salário de carreira. Dessa forma, fazendo as estimativas utilizando o valor do benefício (utiliza-se o DAS como parâmetro), a proporção de servidores em cada nível e a fração que são de carreira, chega-se a um valor em torno de R$ 90 milhões mensais (ou R$ 1,2 bilhão anual). Esse montante é importante? Claro, mas com certeza não é isso que irá resolver o problema fiscal do Brasil cuja magnitude é superior a R$ 50 bilhões e crescente.

Parece que o governo apontou o caminho correto para resolver o desequilíbrio fiscal com um “programa fiscal de longo prazo”, que mais se assemelha ao que a literatura internacional chama de “medium-term plan” e o que a maioria dos países que passam por consolidação fiscal aplicam. Blanchard, Dell´Ariccia and Mauro, no texto “Rethinking Macroeconomic Policy: Geting Granular”, sugere que esse tipo de plano deve ser detalhado e ter credibilidade entre os agentes econômicos (algo que precisa ser trabalhado no Brasil). Ademais, no processo de consolidação fiscal, o plano deve se concentrar em reformas estruturais, principalmente relacionadas ao envelhecimento da população, que indique a solvência das contas públicas no longo prazo, sem produzir efeitos recessivos de curto prazo. No plano anunciado pelo governo, as “principais linhas de ação” são a previdência, pessoal, saúde e reforma administrativa. O governo não detalhou as propostas sobre essas áreas.

O principal problema fiscal brasileiro, sem dúvidas, é a previdência. Imaginávamos que o agravamento só iria ocorrer no médio-prazo, mas com a redução do crescimento econômico, paralização do processo de formalização e aumento do desemprego, o problema estourou nas contas já deste ano. De acordo com o governo, o déficit do regime geral em 2014 foi de R$ 57 bilhões e está previsto R$ 125 bilhões para 2016 (mais que o dobro em 2 anos!). Essas despesas crescem em velocidade maior que o PIB e consomem 40% das despesas primárias totais. As regras de aposentadorias no Brasil são completamente distorcidas ao padrão internacional, a idade média é de apenas 54 anos! O país precisa convergir ao padrão internacional de aposentadoria: (i) acabar com diferenciação de idade de aposentadoria de homem e mulher (principal); (ii) definir idade mínima de 65 anos e (iii) rever todas regras das aposentadorias especiais para certas categorias. As discussões que vimos neste ano vão na contramão dessa necessidade. No congresso, votaram o fim do fator previdenciário e o governo está tentando algo muito aquém da necessidade, como a regra 85/95, por sofrer de limitações políticas e problemas ideológicos na sua base de sustentação.

Relativo às despesas de pessoal (R$ 220 bi em 2014), há duas frentes de batalha. A primeira se refere ao pessoal ativo. Marcos Mendes fez um ótimo artigo em 2011 “o que fazer para melhorar a eficiência dos servidores públicos e reduzir as despesas de pessoal do governo?” Entre as várias sugestões, destaco: (i) melhorar planejamento da força de trabalho e estabelecer cronograma anual de concursos; (ii) aprimorar os concursos públicos, evitando provas “decorebas”, incorporando critérios de experiência profissional e de habilidades cognitivas; (iii) evitar o excesso de qualificação; (iv) buscar profissionalização e ascensão por mérito; (v) criar carreiras não vinculadas a órgão específicos, adiciono que poderíamos flexibilizar as atuais, reduzindo a necessidade de novas contratações; (vi) competição e mérito na distribuição das funções comissionadas; (vii) reformulação e enxugamento das funções gratificadas; (viii) Progressões seletivas ao longo da carreira, não apenas pelo tempo, mas pelo desempenho. (ix) fixação dos vencimentos a partir de comparações com o setor privado (prática comum no mundo). Nesse quesito, fomos na contramão, reduzindo a quantidade de níveis das carreiras, o que torna o salário inicial próximo ao do final da carreira; e (x) regulamentação do direito de greve dos servidores

Em relação às regras com inativos, da mesma forma que no setor privado, deve-se buscar elevar a idade mínima para 65 anos para homens e mulheres, além de rever regras especiais para algumas carreiras. Em relação aos militares, principal folha do poder executivo, a última reforma no ano 2000 foi muito aquém do necessário para equilibrar as despesas de pessoal. Hoje, 61% das despesas com pessoal militar se refere a pagamento de aposentadorias (R$ 18 bi) e pensões (R$ 11 bi). O regime dos militares não tem idade mínima de aposentadoria (30 anos de contribuição) e a contribuição previdenciária é de apenas 7,5% (ante os 11% dos servidores civis). Ademais, para os militares que ingressaram antes do ano 2000, foi dado a opção de estender a pensão para as filhas com a contribuição adicional de 1,5% (totalizando 9%). Deve-se avaliar a extinção desse benefício antiquado e ressarcir os militares que contribuíram sobre esse adicional ou manter o benefício e pagar pensão apenas com base na capitalização desses 1,5%.

A área da saúde consome maior parte do custeio federal com gastos de R$ 85 bi em 2014, equivalente a 8,2% da despesa total federal. O setor tende a exigir cada vez mais recursos com o envelhecimento da população. O Brasil não gasta pouco com saúde em termos relativos a outros países, porém os indicadores setoriais do brasil são significativamente inferiores, o que indica haver enormes perdas de eficiência. Em um estudo feito pelo Banco Mundial, verificou-se que a média de eficiência dos hospitais brasileiros (que consomem 70% dos recursos da área de saúde) é de apenas 30% em comparação ao hospital brasileiro mais eficiente. Há uma agenda importante para buscar formas gerenciais flexíveis e explorar economias de escala dos hospitais, melhorar a atenção básica, definir o relacionamento apropriado com a saúde suplementar (planos de saúde), bem como avaliar outras dimensões do gasto que possuem efeitos indireto sobre a saúde, como a área de saneamento.

Em relação à administração pública, é necessário extrapolar o pensamento imediatista de cortar x ministérios ou y cargos de confiança e repensar o estado brasileiro de uma forma mais profunda. Fazer o que os demais países fazem quando enfrentam forte crise: (i) reavaliar todos os programas de governo para ver se ainda fazem sentido (análise de custo-benefício) dado seus objetivos; (ii) focar esforços do governo em prestar serviços finais para a sociedade, mantendo a estrutura administrativa mínima, por meio da diminuição da rigidez administrativa; (iii) fechar órgãos e escritórios (ex. embaixadas) para explorar economias de escala; (iv) criar marco legal que dê maior liberdade aos gestores públicos administrar os recursos humanos e realocar para áreas mais carentes; (v) propor reformas que fazem com que o financiamento do estado (tributação) seja mais eficiente e gere menor efeito negativo sobre a economia. Está na hora de dar um freio de arrumação sobre um estado que só fez crescer nos últimos anos e cujo retorno, em termos de políticas públicas de qualidade, tem sido bastante questionado.

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O Copom e a Dominância Fiscal

Nesta semana, o Banco Central irá se reunir para definir a taxa de juros básica da economia, que atualmente se encontra em 14,25% ao ano. A maior parte do mercado espera que o Copom mantenha inalterada a taxa de juros nesta reunião, assim como não faça qualquer alteração até o final do ano. Neste ano, o Banco Central elevou a taxa Selic de 11,75% para 14,25% ao ano, uma alta de 2,5 pontos percentuais. Em relação aos indicadores de atividade, com a divulgação do péssimo resultado do PIB do 2º trimestre, o mercado reduziu a projeção de crescimento para retração de 2,3% do PIB neste ano e de retração de 0,4% em 2016. Além disso, foi divulgada a elevação da taxa de desemprego para 8,3% no 2º trimestre, maior taxa desde o início da série de 2012.

Em condições normais, a decisão de elevação das taxas de juros pela autoridade monetária promove efeitos sobre a economia para combater a inflação por pelo menos três canais. O primeiro é o impacto da Selic sobre as taxas de crédito ao consumidor e às empresas. Por esse canal, o aumento tende a reduzir o consumo e os investimentos e, por conseguinte, o nível da atividade econômica. O segundo canal é sobre o câmbio, onde o aumento da Selic torna as aplicações financeiras no país mais atrativas para o capital estrangeiro, incentiva o ingresso de capitais, tende a valorizar o real e, por conseguinte, reduz a pressão inflacionária. Por fim, existe o componente das expectativas. Por meio da credibilidade da autoridade monetária e seu comprometimento em alcançar as metas estabelecidas, a elevação da taxa de juros diminui as expectativas de inflação futura e, consequentemente, reduz a pressão sobre reajustes de preços.

Existe uma situação, no entanto, em que a efetividade de parte dos canais da política monetária deixa de funcionar. Trata-se da dominância fiscal. O termo cunhado pelos economistas para descrever a circunstância onde a política monetária perde liberdade e a efetividade de sua estratégia por causa dos seus efeitos sobre as contas públicas. Em uma circunstância onde o nível de endividamento é elevado, há alto custo de carregamento e as contas públicas não estão equilibradas, o aumento da taxa de juros pode elevar a probabilidade de default da dívida pública, tornar o mercado de títulos menos atrativo ao investidor estrangeiro ou local, causar depreciação cambial e pressão inflacionária. Nessa circunstância, a política fiscal (e não a política monetária) é o melhor instrumento para controlar a inflação por meio da redução das despesas públicas.

Olivier Blanchard, Economista Chefe do FMI, publicou o artigo Fiscal Dominance And Inflation Targeting: Lessons From Brazil onde indica que o país se encontrou na situação de dominância fiscal na crise enfrentada pelo país em 2002 e 2003, após as incertezas do processo eleitoral. De acordo com o autor, o fator determinante para a formação da dominância fiscal do período foi o elevado nível de endividamento, sua composição, com alta participação de títulos atrelados ao dólar, e o ambiente de aversão ao risco de investidores. Nessa circunstância, o aumento dos juros provavelmente levou a uma depreciação cambial.

O tema da dominância fiscal está muito presente das discussões econômicas no pós-crise 2008. Como vários países tiveram que se endividar fortemente para evitar o colapso do sistema econômico, há preocupação sobre a solvência das contas públicas no momento em os bancos centrais tiverem que aumentar juros novamente. Michael Woodford no seu artigo Fiscal Requirements for Price Stability analisa o papel da política fiscal na determinação da estabilidade inflacionária. Chega-se a um regime ótimo em combinar uma regra de Taylor (regra que define a política de juros com base no desvio da inflação em relação à meta e no hiato do produto) para a política monetária com uma meta para o déficit nominal como regra fiscal.

Analisando a atual conjuntura do Brasil, observa-se que, sobre alguns indicadores, o país está mais preparado para enfrentar crises que no ano de 2002. Primeiro, o Tesouro Nacional realizou um importante trabalho de reduzir a participação da dívida atrelada ao dólar nos últimos anos, o que deixou a dívida menos vulnerável a variações cambiais. Ademais, o montante de reservas internacionais acumuladas hoje é bem superior. No caso da política monetária, o choque de juros implementado pelo Banco Central para o processo de retomada da convergência da inflação à meta, neste ciclo, foi bem inferior ao necessário em 2003, quando a Selic chegou a atingir 26,5% a.a.

No entanto, há outros fatores fiscais que são mais desafiadores neste ciclo em relação à crise de 2002. Primeiramente, a situação fiscal brasileira se encontra em um processo contínuo de deterioração desde 2011, sem que houvesse tomado medidas efetivas para mitiga-lo. Acumulou-se um montante enorme de despesas represadas que teve seu processo de regularização iniciado no final de 2014. Em relação às receitas, o baixo dinamismo econômico traz um cenário futuro desafiador para esse componente. Quanto ao perfil do gasto público, as despesas obrigatórias assumiram uma tendência expansionista recente que surpreendeu vários analistas. Destaco as despesas previdenciárias, que muitos imaginavam que era um problema apenas de médio-prazo, mas que resolver bater em nossa porta já neste ano.

Por fim, e talvez o mais importante, a forte crise política que vivemos neste momento é um fator de forte instabilidade. Por um lado, o regime “presidencialista de coalisão” mostra sinais de esgotamento, por outro, a baixa popularidade do governo faz com que os parlamentares adotem comportamento não-cooperativo. O que observamos neste ano é que o Congresso não está tomando as medidas necessárias, assim como, em várias ocasiões, mostrou que está disposto a atrapalhar o processo de ajuste fiscal, como na votação do fim do fator previdenciário e nas propostas de aumento salarial dos servidores públicos. Dessa forma, o necessário processo de ajuste fiscal torna-se extremamente custoso e eleva o nível de incerteza dos agentes econômicos.

É nesse ambiente de deterioração fiscal, com o déficit nominal atingindo 8,8% do PIB em 12 meses, sem perspectivas de o Congresso cooperar e elevado nível de incerteza dos agentes econômicos que a situação de dominância fiscal pode ocorrer. Essa é uma avaliação que deve estar na mesa na reunião do Copom desta semana. Como a atividade econômica já se encontra em retração e o desemprego em alta, será que o aumento ou manutenção da taxa Selic neste patamar irá contribuir para reduzir as expectativas de inflação ou para gerar mais incertezas sobre as condições de solvência da política fiscal? No meu ponto de vista, essa é a questão mais importante da semana.

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