Apresentação no CONSAD 2016: Situação Fiscal dos Estados e Agenda de Reformas

No dia 10 de junho fiz a palestra de encerramento do IX Congresso do Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Administração. Procurei responder as seguintes questões em minha apresentação:
1) Por que chegamos nesta situação fiscal?
2) Como foi o forte ajuste realizado em 2015?
3) Como anda o ajuste em 2016?
4) Quais são as perspectivas?
5) Quais problemas já diagnosticados e as medidas a serem endereçadas?
Ou seja, a apresentação faz um passeio geral sobre a situação fiscal e financeira dos estados e serve como material de consulta de forma objetivo e resumido.

ARQUIVO DA APRESENTAÇÃO EM PDF: CONSAD BRASILIA 2016 PDF

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Despesas de Exercícios Anteriores: “Devo e não reconheço, pago quando puder”

Principais mensagens:

1) As despesas de exercícios anteriores não são iguais aos restos a pagar. A diferença reside no reconhecimento da obrigação no seu momento apropriado. Os restos a pagar são despesas empenhadas e não pagas até o final do exercício. Ou seja, há um registro e a utilização do orçamento no momento, ou pelo menos no ano, de realização da despesa. Despesas de exercícios anteriores são aquelas despesas que ocorreram, mas não houve registro e nem foi utilizado o orçamento à época. Ou seja, se assemelham a “esqueletos” que serão reconhecidos e apropriados apenas no(s) exercício(s) seguinte(s).

2) A Lei 4320/1964 prevê a utilização dessa modalidade apenas em casos excepcionais. Afinal, a Constituição Federal, no artigo 167, deixa a regra clara: “São vedados: II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.

3) Em conversas com colegas especialistas da área de finanças públicas, para o nível estadual, verifiquei que há alguns incentivos perversos para o registro da despesa por essa modalidade: (1) não apresentar a real situação das contas no processo de discussão do orçamento pela subestimativa das despesas obrigatórias; (2) durante a execução, ao não realizar o empenho, distorcer o impacto sobre o resultado primário para fins de cumprimento das metas fiscais; (3) reduzir o comprometimento das despesa para fins de verificação dos limites da despesa de pessoal estabelecidos na LRF e da dívida em Resolução do Senado e (4) mascarar a assunção de obrigações nos últimos dois quadrimestres do mandato, sem deixar disponibilidade de caixa, para cumprimento do artigo 42 da LRF.

4) O reconhecimento de despesas de exercícios anteriores, apenas no nível estadual, atingiu R$ 15,4 bilhões em 2015. Um aumento expressivo de 44% em relação ao exercício de 2014, revelando uma face perversa dos problemas fiscais dos estados. O que deveria ser considerado excepcional está se tornando regra. Muitos governadores, em 2015, assumiram seus mandatos com esqueletos dos seus antecessores e tiveram que registrar esses compromissos nessa rubrica.

5) Acredita-se que uma parte significativa da utilização dessa rubrica se dá de forma ilegal (realização de despesa sem autorização orçamentária). É importante destacar que a análise deve ser feita caso a caso e OS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS ESTADOS SÃO QUEM POSSUEM A COMPETÊNCIA PARA APRECIAR A QUESTÃO. Defende-se a necessidade de padronização mínima da metodologia dos tribunais para essa avaliação, sob pena de colocarmos todo o avanço do marco institucional fiscal em vigor sob perigo.

Texto Completo:

As despesas de exercícios anteriores (DEA) não são iguais aos restos a pagar. A diferença reside no reconhecimento da obrigação no seu momento apropriado. Os restos a pagar são despesas empenhadas e não pagas até o final do exercício. Ou seja, há um registro e a utilização do orçamento no momento, ou pelo menos no ano, de realização da despesa. Despesas de exercícios anteriores são aquelas despesas que ocorreram, mas não houve registro e nem foi utilizado o orçamento à época. Ou seja, se assemelham a “esqueletos” que serão reconhecidos e apropriados apenas no(s) exercício(s) seguinte(s).

De acordo com o art. 37 da Lei 4.320, de 1964, existem três situações para o registro em despesas de exercícios anteriores: (1) Despesas para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria; (2) Restos a Pagar com prescrição interrompida e (3) compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente. Apesar dessas hipóteses, a Constituição Federal de 1988 é bem clara na exigência do princípio da universalidade. Em seu art. 167 está escrito: “São vedados: II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.

Dessa forma, entende-se que a classificação em despesas de exercícios anteriores deve ser em caráter excepcional e utilizada com muito critério. O exemplo clássico utilizado para o registro dessas despesas é uma sentença judicial em que se decida que o Estado deve pagar indenizações aos servidores públicos de perdas salariais por causa de planos econômicos anteriores. Ou seja, não havia uma obrigação financeira a ser reconhecida antes dessa decisão e, de repente, apareceu esse esqueleto. O estado deve registrá-la como despesas de exercícios anteriores.

Outro exemplo que podemos citar é o caso de uma prefeitura que tenha inscrito determinada despesa com fornecedores em restos a pagar processados. Diante da escassez de caixa o Prefeito, ao encerrar seu mandato, publicou Decreto obrigando que todos os gestores cancelassem empenhos até o limite da disponibilidade de caixa, inclusive os que já estavam inscritos em restos a pagar processados. Em função do cancelamento, que não se traduz numa prática prevista na legislação, mas acontece no mundo real, o credor perdeu o direito de receber o crédito? Claro que não. A nova administração da prefeitura terá que reconhecera dívida e pagá-la a conta de dotação de exercício corrente, em rubrica de “despesas de exercícios anteriores”.

Em conversas com colegas especialistas da área de finanças públicas, verifiquei que há alguns incentivos perversos para o registro da despesa por essa modalidade: (1) não apresentar a real situação das contas no processo de discussão do orçamento pela subestimativa das despesas obrigatórias; (2) durante a execução, ao não realizar o empenho, distorcer o impacto sobre o resultado primário para fins de cumprimento das metas fiscais; (3) reduzir o comprometimento das despesa para fins de verificação dos limites da despesa de pessoal estabelecidos na LRF e da dívida em Resolução do Senado e (4) mascarar a assunção de obrigações nos últimos dois quadrimestres do mandato, sem deixar disponibilidade de caixa, para cumprimento do artigo 42 da LRF.

No caso das distorções dos valores da despesa de pessoal, para fins de verificação dos limites estabelecidos na LRF, é importante ressaltar que o Manual de Demonstrativos Fiscais elaborado pelo Tesouro Nacional estabelece que as despesas de exercícios anteriores sejam computadas na despesa líquida da folha se o momento de apuração for dentro dos 12 meses anteriores. Dessa forma, essa distorção só promoveria uma postergação da apuração das despesas para os quadrimestres seguintes. No entanto, não existe um enforcement dos manuais do Tesouro Nacional sobre os entes federados, podendo haver interpretações diversas dependendo do entendimento dos tribunais de contas dos estados.

O registro das despesas de exercícios anteriores pode ocorrer por erros involuntários de planejamento, ao não fixar as despesas no montante suficiente para o atendimento de todas as obrigações ou de forma intencional, para mascarar o cumprimento das metas estabelecidas na LDO ou das exigências trazidas pela LRF. Acredita-se que uma parte significativa da utilização dessa rubrica se dá de forma ilegal (realização de despesa sem autorização orçamentária). É importante destacar que a análise deve ser feita caso a caso e OS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS ESTADOS SÃO QUEM POSSUEM A COMPETÊNCIA PARA APRECIAR A QUESTÃO. Defende-se a necessidade de padronização mínima da metodologia dos tribunais para essa avaliação, sob pena de colocarmos todo o avanço do marco institucional fiscal em vigor sob perigo.

Gráfico 1: Execução das Despesas de Exercícios Anteriores, em R$ milhões
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Este trabalho apurou os registros das despesas de exercícios anteriores para os anos de 2014 e 2015 (primeiro ano de mandato). Só é possível extrair as informações sobre as despesas de exercícios anteriores no Balanço Anual dos estados, onde são informados a execução orçamentária detalhada pelo elemento da despesa.

O reconhecimento de despesas de exercícios anteriores, apenas no nível estadual, atingiu R$ 15,4 bilhões em 2015. Um aumento expressivo de 44% em relação ao exercício de 2014, revelando uma face perversa dos problemas fiscais dos estados. O que deveria ser considerado excepcional está se tornando regra e assumindo proporções muito elevadas.

Muitos governadores, ao assumirem o mandato em 2015, verificaram esses passivos e foram obrigados a inscreverem esses esqueletos na rubrica de DEA. Ou seja, buscou-se regularizar todas as obrigações do ponto de vista orçamentário e, a partir daí, adotar os procedimentos apropriados.

Gráfico 2: Execução das Despesas de Exercícios Anteriores, em R$ milhões
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Em relação à distribuição das despesas de exercícios anteriores por grupo de despesa, observa-se que a maior parte do reconhecimento se dá na rubrica de custeio, com R$ 6,4 bilhões. O que revela a provável insuficiência orçamentária para honrar esses compromissos. Em seguida temos as despesas de pessoal (R$ 5 bilhões) que pode significar a tentativa de burlar os limites da LRF, conforme conversas com colegas especialistas da área, e, em terceiro lugar, o reconhecimento dos investimentos, com R$ 3,8 bilhões.

Gráfico 3: Execução Despesas de Exercícios Anteriores por Grupo de Despesa, em %
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Lembro, mais uma vez, que a execução das despesas de exercícios anteriores não é uma ilegalidade a princípio. Está prevista em Lei. Cabem aos tribunais de contas estaduais avaliarem a apropriação e o registro correto das despesas para tratar dessa questão. Daí a importância de estabelecermos padrões nacionais de atuação.

ARQUIVO EM PDF: PAPER DEA PDF

Referência bibliográfica para os aspectos teóricos e práticos das Despesas de Exercícios Anteriores:
Livro Gestão de Finanças Públicas – 3ª edição – dos autores Claudiano Albuquerque, Márcio Medeiros e Paulo Henrique Feijó

Despesas de Pessoal e a LRF (Valor Econômico 10/6/2016)

Principais mensagens:

* A atual crise dos estados é justifica pelos efeitos negativos da recessão econômica sobre as receitas e, principalmente, pelo forte crescimento das despesas de pessoal nos últimos anos. De 2009 a 2015, de acordo com dados do Tesouro Nacional pela metodologia do PAF, as despesas de pessoal cresceram 38% em termos reais.

* Apesar da maioria dos estados estarem com “folga” nos limites de endividamento, a maior parte deles encontra-se com situação financeira grave, mostrando que o maior problema não é de dívida, mas do excesso de despesas obrigatórias.

* O forte crescimento das despesas de pessoal só ocorreu pela “criatividade” nos registros pelos governos estaduais, para fins de cumprimento dos limites da LRF. Hoje, uma pequena parcela dos estados se encontra dentro desses limites, quando os dados são ajustados pela metodologia da execução orçamentária.

* Observa-se, em 2016, o início do processo de controle desse componente do gasto. Na variação anual acumulada até o 2º bimestre de 2016, os estados elevaram essas despesas em 6%, inferior à taxa de inflação do período de 9,3%. Em 2015, as despesas de pessoal cresceram 11%, acima da inflação, em boa parte explicada pelos aumentos salariais concedidos no mandato anterior, com repercussões financeiras nos anos seguintes.

Texto Completo:

Os limites da despesa de pessoal são fixados pela LRF e demonstrados no Relatório de Gestão Fiscal (RGF) da LRF. Pela LRF são permitas deduções a serem realizadas para apuração dessas despesas como as indenizações por demissão, despesas com sentenças judiciais no período anterior, despesas de exercícios anteriores, pagamento de inativos e pensionistas com recursos vinculados.

Os estados têm utilizado de duas formas para burlar esse conceito de despesa de pessoal. A primeira se dá na tentativa de aumentar as despesas que são passíveis de abatimento, como a não realização o empenho de parte das despesas de pessoal e classifica-la como despesas de exercícios anteriores no ano seguinte ou vincular recursos de compensações ao pagamento de inativos (recursos vinculados).
A segunda forma de burlar o conceito é utilizar a criatividade para retirar despesas de pessoal, como por exemplo, o não classificação do recolhimento do imposto de renda retido na fonte como despesas de pessoal, pagamento de indenizações, auxílios, etc. Por fim, existe uma tendência em vários estados em gerenciar algumas atividades de estado por organizações sociais para ter mais flexibilidade administrativa e eficiência ou mesmo a ampliação da terceirização. Essas formas são classificadas como custeio.

Gráfico 1: Crescimento real das despesas de pessoal entre 2009 e 2015, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Este trabalho utilizou o conceito de pessoal trazido do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (anexo 1), onde foram excluídas as despesas de pessoal intra-orçamentárias para evitar duplicidade. Como esse relatório não é utilizado para fins de verificação do cumprimento dos limites de pessoal, os incentivos para burlar os dados são menores e, dessa forma, ele traz a informação mais próxima da realidade. Observa-se que a vasta maioria dos estados apresentaram despesas de pessoal acima do limite fixado da LRF em 60%. Um resultado bem diferente da apuração pelo RGF.

Gráfico 2: Despesas de pessoal acumuladas em 12 meses até abril, em % da RCL
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* Estados que classificam parte das despesas de pessoal como custeio. Esses valores foram somados.
Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Foi analisado, também, que as despesas de pessoal acumuladas até o final do 2º bimestre deste ano, comparadas com o mesmo período do ano anterior, apresentaram crescimento de 6%, em termos nominais, valor inferior à inflação do período de 9,3%. Ou seja, verifica-se um esforço fiscal dos estados para conseguir controlar esse componente neste ano. Esse resultado é diferente do observado em 2015, quando as despesas de pessoal cresceram 11%, acima da inflação, em boa parte explicada pelos aumentos salariais concedidos no mandato anterior, com repercussões financeiras para o governante seguinte. O PLS 389/2015, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, busca sanar essa brecha existente na LRF.

Gráfico 3: Variação anual das despesas de pessoal, acumulada até o 2º bimestre, em %
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

Por fim, o estado atualizou os dados do percentual das despesas dos governos estaduais pelos principais componentes. Observa-se que a folha de pagamento é o maior componente, de longe, das despesas estaduais. Vale ressaltar que uma parte significativa do que está classificado como custeio se trata de benefícios e auxílios vinculados à folha de pagamento, assim como contempla as despesas com terceirização e organizações sociais. Ou seja, uma definição mais ampla das despesas de pessoal revelaria um número significativamente maior.

É interessante também observar que os serviços da dívida, comumente utilizados como causa da atual crise, representa apenas 15% do que se gasta de pessoal. Ou seja, ele está longe de ser a causa do desequilíbrio financeiros que os estados passam no atual momento. O “pato feio” da história é o investimento, pobre coitado, sempre utilizado como variável de ajuste nos momentos de crise pela forte rigidez das regras do setor público que inviabilizam os cortes das despesas correntes.

Gráfico 4: Componentes da despesa, em % da RCL
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Fonte: Siconfi/STN. Elaboração Própria.

ARQUIVO EM PDF: Texto em PDF

REPORTAGEM DO VALOR ECONÔMICO: Reportagem Valor em PDF