Existem duas expressões populares em Brasília para descrever situações complexas do cotidiano. O “gato subiu no telhado” quer dizer que você vai dar uma péssima notícia, mas em doses “homeopáticas”, como em uma sequência de fatos: o gato subiu, escorregou, caiu e, infelizmente, morreu. A expressão “bode na sala” serve para descrever uma situação em que há um complexo problema para ser solucionado, envolvendo conflitos entre vários agentes. Uma estratégia de solucionar o conflito seria colocar um bode malcheiroso na sala para desviar a atenção de todos em apontar que o bode é o problema.
Nos noticiários que estamos envolvidos no dia-a-dia, dar-se a impressão que estamos elegendo um “bode” como o problema de todos os males nacionais. Mais recentemente, escutamos questionamentos sobre a legitimidade do exercício da função da Presidente da República ou do Presidente da Câmara dos Deputados. Independentemente do mérito dessa questão, existe um problema mais amplo no país que mais se assemelha a situação de que o “gato subiu no telhado”. Ou seja, algo ruim está anunciado que irá acontecer, o governo e o congresso não têm tomado atitudes para resolver e, se continuarmos nesse ritmo, veremos que, de fato, o gato morreu.
O que devemos fazer para evitar que o gato pule do telhado? Essa pergunta envolve uma discussão ampla e multidisciplinar. Pelo fato do Brasil ser um país de dimensões continentais e fechado, normalmente inventamos soluções para nossos problemas da forma “caseira”, ou como jabuticabas (fruta que só existe no Brasil). É nesse ambiente que entram uma série de fatores que agem como forças do atraso, como: a ideologia cega, o corporativismo e o conservadorismo. Um princípio conciliador que deveríamos seguir, mas, infelizmente pouco observamos, é o pragmatismo pelas experiências internacionais (de preferência, de países bem-sucedidos).
Pegando o exemplo do problema que está mais iminente no país, o déficit das contas públicas. Olhando o perfil do demais países, o déficit fiscal brasileiro não é por causa de falta tributos, mas sim por causa do excesso de despesas mal focalizadas e com baixo retorno social. Se compararmos as despesas públicas brasileiras com os demais países, observamos que o Brasil gasta excessivamente com previdência, em torno da média com saúde e pouco com educação e infraestrutura. Nenhum país do mundo aguenta um regime de previdência onde a idade média de aposentadoria é 54 anos. Imagine quando o Brasil envelhecer! Poucos países do mundo diferenciam idade de aposentadoria de homem e mulher. No Brasil, elas se aposentam 5 anos mais cedo e vivem mais 7 anos.
A metodologia “olhem para o que o resto do mundo faz” poderia ser usado para todas as áreas da economia e da política brasileira. Peguem o caso do setor público. Na área de recursos humanos, por exemplo, há uma grande distorção do conceito aplicado aqui de estabilidade do servidor. É incrível escutar relatos de servidores, mesmo cometendo crimes em flagrante, que são reconduzidos aos cargos por ordem judicial (e olhe que não estou nem entrando no mérito do desempenho profissional). Outra distorção, em relação ao resto do mundo, é o direito a greve, onde uma pequena fração de servidores paralisam o estado como um todo e, por isso, conseguem reajustes acima da média às custas de toda sociedade. No limite, isso implica em elevação da carga tributária.
Resumidamente, seguindo os exemplos internacionais, deveríamos concentrar esforços em não aumentar a carga tributária, reduzir a despesa pública da máquina, rever as regras irracionais do setor público, elevar os serviços prestados para o cidadão como em educação, saúde e infraestrutura. No âmbito privado, criar ambiente de negócios mais atrativo, abrir a economia, estimular a competição, adotar política industrial com os incentivos apropriados e tornar as regras mais claras e racionais. Esses são os pilares das economias bem-sucedidas no mundo.
O que estamos discutindo e implementando de medidas nesse sentido? Nada. Qualquer tentativa de discussão séria sobre esses assuntos morre em simples questões ideológicas, oportunistas, demagógicas ou corporativistas. Estamos colocando o bode na sala para disfaçar que, na verdade, vários membros da sala fedem igual ao bode… e que… de fato… o gato já subiu no telhado.
Li e gostei.
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