Comportamento das Finanças Públicas Regionais em 2015

Hoje, o Banco Central divulgou a nota de política fiscal, que traz informações sobre os resultados fiscais do setor público com dados até o primeiro quadrimestre de 2015. Este artigo tem o objetivo de avaliar como está o processo de ajuste fiscal dos governos regionais em 2015, analisar as perspectivas de cumprimento da meta estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para este ano e verificar quais estados estão mais contribuindo favoravelmente e negativamente para o desempenho fiscal até o momento.

O que observamos nos dados até abril é que o resultado das finanças públicas estaduais está dando sinais contraditórios sobre sua tendência e, consequentemente, carrega um elevado grau de incerteza se comparado com anos anteriores. No acumulado em 12 meses, o resultado primário acumula déficit de R$ 4,1 bilhões em abril de 2015, uma melhora de R$ 2,2 bilhões ante o mês anterior (R$ 6,4 bilhões). Em abril de 2014, o resultado primário acumulava superávit de R$ 15,9 bilhões, valor R$ 20 bilhões superior ao período atual.

Gráfico 1: Superávit Primário dos Governos Regionais, acumulado 12 meses, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

O Gráfico 2 apresenta o resultado primário dos governos regionais acumulado no ano até o mês de referência. Observa-se que resultado do primário iniciou o ano muito superior aos anos anteriores, inclusive em relação a 2011 (ano que encerrou com melhor resultado primário da série histórica, R$ 33 bilhões). Porém, é provável que esse início surpreendentemente positivo tenha relação com o péssimo resultado de dezembro de 2014 (Gráfico 3). Talvez, tenha ocorrido alguma antecipação de despesas no último mês do ano anterior ou postergação no registro de alguma receita. Em fevereiro, o resultado seguiu o comportamento histórico, elevando-se em R$ 5 bilhões ante janeiro. No mês de março, houve uma reversão da tendência e foi registrado o primeiro déficit para o mês desde 1998, em R$ 1,1 bilhão. Em abril, no entanto, o resultado voltou ao padrão positivo dos anos de 2011 e 2012 e se elevou em R$ 2,6 bilhões.

Gráfico 2: Superávit Primário dos Governos Regionais, acumulado no ano, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

A meta de resultado primário estabelecida na LDO dos Governos Regionais para 2015 é R$ 11 bilhões, na forma de valores nominais. O comportamento deste ano se revelou positivo em três dos quatro meses observados. Do ponto de vista estatístico, abril foi um mês importante, pois retomou a tendência positiva do resultado que tinha sido quebrada no mês anterior. Porém, ainda estamos observando sinais contraditórios que impedem que façamos uma avaliação completa do cumprimento da meta neste ano. Ademais, o ano de 2014 trouxe um fator de incerteza adicional sobre as finanças regionais pelo fato do resultado do mês dezembro do ano passado ter sido inesperadamente deficitário em relação ao padrão histórico (Gráfico 3). O valor de dezembro (R$ -11 bilhões) foi da ordem de grandeza semelhante à meta inteira do ano de 2015.

Resumidamente, o que podemos observar neste primeiro quadrimestre é que o resultado dos governos regionais tem sido superior ao do ano de 2014, que encerrou com déficit de R$ 7,8 bi. Ao longo dos próximos meses poderemos verificar com maior confiança a formação de tendência para o ano e possamos estimar o cumprimento (ou não) da meta para 2015.

Gráfico 3: Superávit Primário dos Governos Regionais, mensal, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

Do ponto de vista qualitativo, gostaria de elencar os principais fatores econômicos que estão influenciando as finanças públicas regionais em 2015:

1) Crescimento econômico: variável chave para a ampliação da base de arrecadação. Perspectivas não são boas. Os dados divulgados do 1º trimestre revelam que a economia teve crescimento negativo de 0,2%. A previsão de mercado para 2015 indica contração de 1,2% do PIB.

2) Inflação: variável importante para elevação da base tributária. Do ponto de vista fiscal, a tendência de alta dessa variável vai compensar parcialmente a falta de crescimento econômico neste ano. A previsão de mercado indica inflação de 8,3% para 2015. Destaca-se a elevação dos preços administrados acima da média geral, como gasolina e energia elétrica, que tem elevado peso nas arrecadações estaduais, o que pode ajudar na recuperação das receitas.

3) Royalties: Essas receitas são muito importantes para alguns estados e municípios. O preço do petróleo caiu fortemente nos últimos meses e não há perspectivas que ele retorne para os patamares observados nos últimos anos. É um fator negativo para o reequilíbrio das contas de alguns estados (principalmente o Rio de Janeiro). Por outro lado, a depreciação cambial pode neutralizar parte dessa queda.

4) Despesas: Dada a crise financeira que vários governos encontraram neste ano, há perspectiva de redução da taxa de crescimento das despesas. Infelizmente, o maior corte tem sido sobre os investimentos. O problema se encontra na rigidez orçamentária brasileira (difícil cortar despesas de pessoal e custeio) e no comportamento oportunista de alguns governadores, no ano passado (eleição), de negociar reajustes salariais parcelados para a conta ser paga neste ano.

5) Autorização de Endividamento: A ampliação dos limites de endividamento dos estados impacta negativamente o resultado primário pois se trata de uma receita financeira normalmente vinculada a gastos primários. A perspectiva futura é de redução dessas autorizações. Porém ainda há um montante contratado considerável a ser desembolsado neste ano.

Em conjunto, o que os dados do primeiro quadrimestre revelam é que o crescimento das receitas pela inflação, principalmente dos reajustes dos preços de gasolina e energia elétrica, que tem elevada participação no ICMS e, principalmente, as restrições financeiras que os estados estão sofrendo neste ano, provocando a postergação de despesas e cortes nos investimentos, têm promovido efeito superior à tendência deficitária das outras variáveis: baixo crescimento do PIB, royalties e operações de crédito.

Como anda o resultado fiscal de cada unidade da federação?

Foram utilizados dados individualizados dos estados apurados pelo critério abaixo linha, como fonte o Banco Central (metodologia oficial para fins de cumprimento das metas do setor público). É importante destacar que as informações apresentadas nesta seção se referem à Unidade da Federação, incluindo o governo estadual e as administrações municipais. Infelizmente, os dados disponíveis estão apenas na base acumulada em 12 meses, o que não permite uma análise desagregada do período recente.

O Gráfico 4 apresenta os estados que estão com posição fiscal superavitária em 2015, no acumulado de 12 meses até abril de 2015. Observa-se que Minas Gerais (governo estadual e municípios) dispõe de maior superávit, no total de R$ 4,0 bilhões. Em seguida temos o Rio Grande do Sul e a Bahia com, respectivamente, R$ 1,5 bilhões e 1,3 bilhões.

Gráfico 4: Estados com Superávit Primário, acumulado 12 meses em abril, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

O Gráfico 5 apresenta os estados que apresentam posição deficitária em 2015, no acumulado de 12 meses até abril de 2015. O Rio de Janeiro se encontra, destacadamente, no pior cenário para suas finanças públicas em 2015. Repercutem sobre as finanças do RJ a forte queda na arrecadação dos royalties, das receitas tributárias próprias com menor dinamismo econômico e paralizações de algumas operações e investimentos da Petrobrás, além do elevado comprometimento de despesas inadiáveis com as olimpíadas que são financiadas, em boa parte, por operações de crédito.

Gráfico 5: Estados com Déficit Primário, acumulado 12 meses em abril, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

O Estado de São Paulo está com a segunda pior posição até abril de 2015. No Gráfico 6, pode-se observar que o estado deteriorou sua posição em relação ao mês anterior. Com o menor dinamismo econômico, houve queda na arrecadação das receitas tributárias e, do lado das despesas, houve pressão nos dispêndios emergenciais das obras para solucionar o problema do desabastecimento de água no Estado.

Gráfico 6: Destaques de Variação no Resultado Fiscal, Acumulado 12 meses, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

Define-se impulso fiscal de 2015 como a diferença do resultado fiscal acumulado em 12 meses em abril de 2015 com dezembro de 2014. Ou seja, o quanto as contas públicas dos estados melhoraram ou pioraram neste ano, no acumulado de 12 meses.

Gráfico 7: Impulso Fiscal Superavitário em 2015, Acumulado em 12 meses, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

No Gráfico 7, podemos verificar que o destaque positivo de 2015 tem sido o estado da Bahia, que saiu de um déficit de 696 milhões em dezembro de 2014 para um superávit de 1,1 bilhão em abril, gerando um impulso positivo de 1,8 bilhão. Em seguida temos Pernambuco, Minas Gerais, Pará e Ceará. Ressalta-se, novamente, que essa variável é mensurada no acumulado de 12 meses, pois é a única informação disponível que temos.

Do lado negativo, temos o Rio de Janeiro que já saiu de um já elevadíssimo déficit de 7,2 bilhões em 2014 para um déficit ainda maior de 8,7 bilhões em abril. Com isso, o estado contribuiu para com um impulso negativo de R$ 1,5 bilhão no acumulado de 12 meses neste ano.

Gráfico 8: Impulso Fiscal Deficitário em 2015, Acumulado em 12 meses, em R$ milhões
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Fonte: Banco Central do Brasil

Com as informações apresentadas, é possível verificar que o Rio de Janeiro será o estado chave neste ano para definir o cumprimento (ou não) da meta fiscal do ano. Como mencionado, o estado sofre de dois males simultâneos, a queda na arrecadação, especialmente dos royalties e participações especiais, e os inadiáveis investimentos para as Olimpíadas do próximo ano. Dessa forma, as perspectivas não são boas. Será necessário que os demais estados, especialmente São Paulo, consigam elevar o resultado ao longo do ano para contrabalancear a tendência deficitária do Rio.

Resposta a Nota Técnica da SEFAZ/PE sobre Estudo de Finanças Públicas de Pernambuco

O objetivo desta resposta é contestar a nota técnica feita pela Secretaria de Finanças de Pernambuco (SEFAZ) sobre o estudo feito de minha autoria sobre a situação das finanças públicas do Estado de Pernambuco. Primeiramente, gostaria de mencionar que a metodologia utilizada no trabalho foi discutida amplamente com vários especialistas de finanças públicas, bem-conceituados nacionalmente, e já foi objeto de trabalhos anteriores (já publicados). Ademais, todos os dados utilizados foram extraídos do próprio Governo de Pernambuco, constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária.

Trato, em seguida, de responder as afirmações contidas na nota técnica da SEFAZ questionando os argumentos técnicos do estudo:

1º) Nota SEFAZ: “Isto porque o resultado primário é tão somente um indicador do volume de empréstimos realizados. Sua principal função é estabelecer uma meta de utilização de operações de crédito para investimentos, como forma de garantir aos credores a solvência futura da dívida”

Reposta 1: Temos um problema conceitual na definição do resultado primário. A definição de resultado primário (consta em todos os manuais de finanças públicas) é a diferença entre as receitas não-financeiras (exemplo: tributos) e despesas não-financeiras (despesas de pessoal, custeio, etc). Ele mede o que o governo conseguiu poupar fruto de esforço fiscal próprio, sem levar em consideração as receitas e despesas com empréstimos.
O resultado primário é a metodologia utilizada como padrão pelos organismos internacionais e aplicada pela maioria dos países do mundo para a avaliação das estatísticas fiscais. Ele é padronizado no Government Finance Statistics Manual (FMI). No Brasil, toda a apuração das estatísticas fiscais do Governo Federal, calculada pelo Ministério da Fazenda, ou do Setor Público Consolidado, calculada pelo Banco Central do Brasil, é baseada nesta metodologia, conhecida e aceita pelos especialistas da área, assim como pelos agentes de mercado.

2º) Nota SEFAZ: “O indicador mais completo a ser observado para apuração da poupança (superávit) ou insuficiência (déficit) é a disponibilidade de caixa líquida do Estado”

Resposta 2: Aqui tenho uma grande discordância da posição da SEFAZ. Existem outras formas de se avaliar a situação fiscal dos governos, mas, com certeza, não se trata da disponibilidade de caixa. A “fotografia do seu caixa” esconde várias questões fundamentais para a avaliação das finanças públicas. Primeiro, será que esse caixa foi formado por receitas próprias ou pelo endividamento? Se houver o pagamento de uma “prestação” grande de sua dívida e o saldo baixar, significa que sua posição fiscal piorou? Como estão os compromissos assumidos pelo Governo com pagamento de despesas obrigatórias diante desse saldo? Por que será que essa metodologia não é utilizada pela União e por outros países?
Se a forma de se avaliar a situação financeira fosse feita dessa forma simples, os bancos, por exemplo, na hora de emprestar qualquer recurso aos seus clientes fariam a análise exclusivamente olhando para o saldo da conta bancária deles. Não é isso que ocorre na pratica. A disponibilidade de recursos é importante como medida de gerenciamento financeiro de curto prazo, na “boca do caixa”. Ela não mede a sustentabilidade das finanças públicas, muito menos os compromissos assumidos pelo Governo.

3º) Nota SEFAZ: “Com exceção do ano de 2012 em que a RCL (Receita Corrente Líquida) foi significativamente inferior ao comportamento dos dois anos anteriores, dificultando uma redução tão drástica neste tipo de despesa, o que foi compensado em 2013, ano em que o gasto foi inferior ao crescimento da arrecadação”

Reposta 3: Utilizei na minha análise o conceito de receita primária por achar ser o mais apropriado para esse tipo de avaliação e não o de Receita Corrente Líquida. Mas, independentemente disso, observem o próprio gráfico que consta na Nota da SEFAZ. Em 2014, houve um grande hiato entre crescimento das despesas e o crescimento da RCL: as despesas cresceram 11,6%, enquanto as receitas cresceram 7,6%. Dessa forma, pelos próprios dados constantes na Nota, a informação dada está errada.

4º) Nota SEFAZ: “De fato houve crescimento nas receitas tributárias ano a ano, mas isso coincidiu com a intensificação das ações fiscais, e não com a elevação da carga tributária sobre a sociedade”

Reposta 4: Há um problema conceitual nessa afirmação. A definição de carga tributária não é igual a de alíquota de tributos. Carga tributária é a proporção do total arrecadado pelo estado em relação ao seu produto interno bruto”. Trata-se do peso do governo sobre a sociedade. Ele cresceu em Pernambuco. Isto é um fato. A nota da SEFAZ argumenta esse aumento não se originou de crescimento de alíquotas de tributos, mas sim de ações de fiscalização. Está perfeito, é bom que assim seja. Quanto maior o combate à sonegação e evasão fiscal é melhor, inclusive para permitir que haja redução de alíquota de tributos, dada a maior eficiência arrecadatória.

5º) Nota SEFAZ: “Também não se pode afirmar que houve piora do perfil do gasto público. O gráfico seguinte demonstra que o governo manteve uma taxa de investimento significativamente alta no período”

Reposta 5: Piora do perfil do gasto público não quer dizer que os investimentos não cresceram, mas que as demais despesas obrigatórias cresceram mais que os investimentos. O próprio gráfico que consta na Nota da SEFAZ mostra isso. A participação do investimento do total das despesas saiu de 12,5% em 2010 para 10,7% em 2014. Isto significa, sim, piora do perfil do gasto público.

6º) Nota SEFAZ: “Quando apuramos o crescimento das vinculações constitucionais com Saúde (mínimo de 12%) e Educação (mínimo de 25%), notamos que a aplicação de recursos em Saúde e Educação tem se mantido significativamente acima do mínimo constitucional. Quando esta despesa é soma, percebe-se que quase a metade da receita própria do Estado é alocada nos serviços de Saúde e Educação, ao contrário do que o estudo dá a entender”

Resposta 6: O estudo não pretendeu e não avaliou se o Estado de Pernambuco está cumprindo com suas obrigações constitucionais. O estudo apenas mostrou que a proporção das despesas da função orçamentária educação em relação às receitas primárias não cresceram no período. Essa métrica não deve ser usada para fins de verificação de aplicação mínima em educação pois o conceito é diferente.

Considerações Finais

O estudo realizado pelo presente Autor não teve qualquer conotação política. Foi um estudo estritamente técnico com metodologia já utilizada em outros estudos e definida previamente à aplicação do caso de Pernambuco. Os dados foram extraídos dos próprios relatórios do Estado.

Nas seis páginas que constam no trabalho, foi citado quatro vezes que a deterioração das variáveis fiscais do Estado de Pernambuco seguiu o comportamento dos demais estados brasileiros. O Governo Federal passa por dificuldades semelhantes. Acredito que a melhor forma de resolver o problema é, primeiramente, reconhecê-lo e o tratá-lo de forma transparente. Como diria o físico Albert Einstein: “Insanidade é continuar sempre fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”. A situação fiscal de Pernambuco não é boa e o reconhecimento desse problema é fundamental para endereçarmos ações necessárias para reequilibrar as contas públicas e manter as condições do estado crescer de forma sustentável.

O autor faz questão de ressaltar o caráter técnico e propositivo do estudo e se disponibiliza para realizar quaisquer esclarecimentos e para cooperar com o Estado na avaliação de suas finanças públicas.

As Finanças Públicas do Governo de Pernambuco no Período Recente e o Processo de Ajuste em 2015

Publicado em Brasil, Economia e Governo
11/5/2015

Recentemente publiquei neste blog uma análise agregada das contas fiscais dos estados. O presente texto faz avaliação similar, focada no Estado de Pernambuco. Mostro que esse Estado seguiu a mesma rota de deterioração fiscal observada para a média dos estados e que ele já iniciou o processo de ajuste em 2015, com forte redução das despesas de investimentos.

A preços de 2014 (descontando a inflação), o Estado saiu de uma posição fiscal poupadora (superávit) de R$ 280 milhões em 2010 para o registro de um déficit de R$ 2,1 bilhões em 2014.

Gráfico 1: Superávit Primário em R$ bilhões de 2014
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Essa deterioração fiscal ocorreu pela combinação de menor dinamismo das receitas (crescimento médio real anual de 5,9%), principalmente de transferências do Governo Federal, combinada com a manutenção do crescimento das despesas em patamar mais elevado (crescimento médio real de 6,9%).

Ocorreu uma péssima combinação de deterioração do balanço fiscal do governo de superavitário para deficitário, elevação da carga tributária sobre a sociedade (crescimento das receitas tributárias em 7,1% a.a., em comparação com a previsão de crescimento do PIB Estadual médio anual de 4,4% a.a.) e piora do perfil do gasto público.

Em relação às receitas primárias do estado, pode-se observar a perda de participação das receitas de transferências do Governo Federal. O crescimento médio real das receitas de transferências foi de 3,6% a.a. entre 2010 e 2014, ante crescimento de 9,9% a.a. de 2006 a 2009. Esse comportamento também foi observado nos demais estados brasileiros e é justificado pelo menor repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do Governo Federal. O FPE é calculado como uma proporção do Imposto de Renda e Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Nesse período, o Governo Federal realizou uma série de desonerações tributárias com o IPI (exemplo: automóveis e eletrodomésticos) e, além disso, houve redução da base tributária para a arrecadação desse tributo devido ao menor dinamismo do mercado interno.

Gráfico 2: Receitas Primárias, participação em relação ao total, em %
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Em relação às despesas públicas, o primeiro fato importante a ser notado é o crescimento do tamanho do estado na economia pernambucana. As despesas públicas cresceram em média 6,9% a.a. no período de 2010 a 2014, ante crescimento médio estimado para o PIB do estado de 4,4% a.a.. As despesas primárias passaram de 98,8% do total das receitas primárias em 2010 para 107,8% em 2014, o que explica a deterioração da situação financeira do Estado.

O crescimento da participação do estado na economia não é necessariamente ruim. O estado pode ser um importante indutor do crescimento por meio da ampliação dos investimentos em infraestrutura ou em capital humano, com despesas na área de educação. Porém, nesse período analisado, não foi isso que parece ter ocorrido.

Ao analisar o montante das despesas primárias nas três grandes categorias do gasto público: pessoal, custeio e investimentos, observa-se que o componente que mais cresceu no período entre 2010 e 2014 foi a despesa de pessoal, em 5,6 p.p. do total arrecadado pelo estado. Entre 2010 e 2014, o custeio cresceu 4,2 p.p. do total arrecadado e os investimentos tiveram uma ligeira retração de 0,5 p.p., após ter atingido seu valor máximo em 2013, possivelmente com os preparativos para a Copa do Mundo.

Gráfico 3: Despesas Primárias, % do Total das Receitas Primárias
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Observa-se, no Gráfico 4, que as despesas na área de educação não cresceram sua participação no total arrecadado pelo Estado de Pernambuco. Em suma, apesar do observado aumento da participação das despesas públicas na economia pernambucana, esse aumento parece não ter sido alocado para os necessários investimentos em infraestrutura e em educação.

Gráfico 4: Despesas em Educação, em % do Total das Receitas Primárias
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Um comportamento observado em Pernambuco, que também ocorreu com os demais estados da federação, foi o aumento do endividamento para compensar a queda das receitas de transferências. O Governo Federal autorizou uma série de operações de crédito para diversos estados entre 2012 e 2014. Pernambuco utilizou esse espaço financeiro apenas parcialmente para expandir os investimentos. Apesar do salto das receitas fruto de endividamento de um patamar de 2,5% das Receitas Primárias em 2011 para uma média de 9,7% das Receitas Primárias entre 2012 e 2014, os investimentos cresceram de 12% em 2011 para uma média ligeiramente maior, de 13,5%. Ou seja, maior parte do espaço financeiro que o estado teve fruto do endividamento foi canalizado para despesas de pessoal, notadamente em 2014.

Gráfico 5: Receitas de Operações de Crédito, em % do Total das Receitas Primárias
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Gráfico 6: Poupança Corrente (Capacidade de Investir), em % das Receitas Primárias
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Outro indicador orçamentário importante para mensurar a capacidade de um ente da federação em ser um propulsor de desenvolvimento, por meio da expansão dos investimentos, é a poupança corrente. Esse indicador mede o quanto de receitas próprias (excluindo endividamento) sobra após o pagamento das despesas obrigatórias (por exemplo, pessoal e custeio) para investir. Pelo Gráfico 6, observa-se que a poupança corrente do Estado apresentou forte deterioração, já que houve crescimento das despesas obrigatórias (com maior disponibilidade financeira pelo endividamento) e menor crescimento das receitas tributárias e de transferência. Ao final de 2014, o que sobra da arrecadação do estado para expandir investimentos, sem se endividar, é apenas 2,4% das receitas.

E temos um novo ciclo de ajuste fiscal iniciado em 2015…

O retrato da evolução das finanças públicas do Governo de Pernambuco é semelhante ao ocorrido na maior parte dos estados brasileiros. Observou-se, nos últimos 20 anos no Brasil, que o comportamento das finanças públicas é cíclico. Há períodos de bonança, quando os estados estão pouco endividados e a atividade econômica se aquece e, nesse momento, abre-se espaço fiscal para ampliar as despesas. O ideal seria que os estados pudessem “poupar” nesses períodos de bonança para enfrentar os períodos de “vacas magras” sem forte arrocho sobre as políticas públicas, notadamente os investimentos. Infelizmente, os ciclos políticos combinados com falta de planejamento fiscal de médio prazo inibem as instituições públicas agirem de forma mais eficiente para cumprir com os legítimos anseios da sociedade.

O que os últimos dados disponíveis de 2015 informam sobre o processo de ajuste fiscal implementado por Pernambuco? É possível ver pela Tabela 1 que o ciclo de ajuste já se iniciou e que ele segue o comportamento padrão que os demais entes do país adotam. Devido à alta rigidez orçamentária brasileira, o saneamento das contas públicas passa necessariamente por medidas fiscais que trazem os efeitos mais perversos à economia, como a ampliação da carga tributária e corte nas despesas discricionárias, principalmente os investimentos públicos.

Observa-se o forte esforço fiscal que o Governo de Pernambuco implementou neste início do ano para restaurar as contas públicas. O superávit primário no primeiro bimestre de 2015 foi R$ 470 milhões superior ao mesmo período de 2014, um aumento de 63%. Essa poupança fiscal pode ser atribuída a 51% expansão das receitas de tributos e 49% pela redução das despesas. Em relação às despesas, destaca-se o forte corte sobre os investimentos públicos que caíram 68% em relação ao ano anterior. É importante também observar que as receitas de operações de crédito (endividamento) caíram bastante neste ano, com a tendência atual de restringir novas autorizações de endividamento para os Estados. Neste novo ciclo, haverá maior restrição financeira para a execução das despesas.

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O processo de rigidez orçamentária (que explicado de uma forma simples, trata-se da falta de capacidade de cortar despesas do governo) é extremamente elevado no Brasil devido às regras obsoletas e ineficientes que regem o nosso serviço público. Essas regras prezam pela forma e pelo rito ao invés de buscar resultados concretos. Cria-se a cultura de que para ampliar ou melhorar as políticas públicas deve-se, necessariamente, contratar mais servidores e elevar custos, como se não houvesse ganhos de produtividade e redução de ineficiências no serviço público a serem perseguidas. Pobre do investimento público, que tanto a economia brasileira precisa para se modernizar e para crescer de forma sustentável no longo prazo, necessário para dar melhores condições de vida para a sociedade, mas que sempre é a opção escolhida para se fazer o ajuste fiscal.

O que Explica a Deterioração Recente das Finanças Públicas Estaduais e Quais são as Perspectivas?

Publicado em Brasil, Economia e Governo
7/4/2015

1) Introdução
Este trabalho tem o objetivo de apresentar os fatores condicionantes para a recente deterioração das finanças públicas estaduais e indicar as perspectivas futuras para avaliação do cenário fiscal de médio prazo. Utilizou-se como critério metodológico a abertura do resultado primário dos estados pelo resultado “acima da linha”, onde é possível analisar os componentes das receitas e despesas dos governos estaduais. Essa metodologia permite explicar os principais condicionantes da variação do resultado fiscal, assim como estabelecer critérios de avaliação das perspectivas futuras.

Foi interessante observar que, nos últimos 25 anos, a evolução das finanças públicas estaduais seguiu um comportamento cíclico. No período de 1992 a 1997, houve um processo de forte deterioração das contas públicas, onde o resultado primário saiu da estabilidade em proporção do PIB para um déficit de 0,8%. De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999), após o lançamento do Plano Real, em 1994, agravaram-se os desequilíbrios financeiros dos estados e de seus bancos. O fim da hiperinflação e a elevação da taxa de juros real elevaram os compromissos financeiros, reduziram as receitas inflacionárias e anteciparam as crises de liquidez dos bancos estaduais.

Os bancos estaduais foram utilizados como instrumento para financiamento da expansão das despesas e, consequentemente, da elevação do endividamento dos entes. O maior problema encontrava-se na estrutura de incentivos que lastreiam o relacionamento entre os bancos estaduais e seus acionistas controladores majoritários (os governos). A intervenção do Banco Central em diversos bancos estaduais e as trocas de títulos dos estados por títulos federais não foram suficientes para conter o crescimento explosivo das dívidas e a deterioração patrimonial e de liquidez dos bancos estaduais. O governo central foi, então, forçado a negociar novo programa de ajuste fiscal para os governos subnacionais.

No processo de renegociação da dívida dos estados, a União assumiu R$ 101,9 bilhões de dívida estadual para ser parcelada em 30 anos a uma taxa de juros de 6% a 9% a.a., mais a correção monetária do IGP-DI. Em troca, o governo federal exigiu disciplina fiscal dos estados por meio de um contrato com metas relacionadas à: (i) dívida financeira em relação à receita líquida real; (ii) resultado primário; (iii) despesas com funcionalismo público; (iv) arrecadação de receitas próprias; (v) privatização, (vi) permissão ou concessão de serviços públicos, (vii) reforma administrativa e patrimonial e (viii) despesas de investimento.

De fato, pelos dados agregados, o programa de ajuste fiscal de 1997-98 foi bem sucedido nos seus objetivos. Como pode ser observado no Gráfico 1, o resultado primário dos governos estaduais saiu de um déficit acima de 0,4% do PIB em 1998 para um superávit de 1% do PIB em 2007. Esse comportamento, no entanto, iniciou tendência de deterioração em 2008, com a crise internacional até 2010. Em 2011, observamos comportamento de recuperação do resultado, seguindo o esforço observado pelo Governo Federal na época. Porém, desde 2012, o resultado primário dos estados apresentou tendência de deterioração de maneira drástica, registrando déficit de 0,3% em dezembro de 2014. A seção seguinte busca mostrar os principais determinantes desse comportamento.

Gráfico 1: Resultado Primário dos Governos Estaduais acumulado em 12 meses, em % PIB
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Fonte: Banco Central do Brasil
Elaboração Própria

2) Detalhamento dos Dados de Receitas e Despesas Primárias
A fonte de dados utilizada neste estudo foram os relatórios de execução orçamentária por meio do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), aberto ao público, pela Secretaria do Tesouro Nacional. O período de análise foi de 2002 a 2013 (último dado disponível para o resultado fiscal acima da linha). Foram realizados ajustes no banco de dados com o objetivo de padronizar as informações dos estados e corrigir mudanças metodológicas na medida do possível. Há estados, por exemplo, que contabilizam despesas de inativos e pensionistas como custeio. Utilizou-se o padrão de contabilização do Governo Federal para a reclassificação das despesas. Além disso, seguiu-se a definição do resultado primário conforme Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO).

O Gráfico 2 apresenta a taxa de crescimento real das receitas e despesas primárias. Observa-se que, no período pré-crise, tanto as receitas como as despesas primárias cresciam a uma taxa bastante elevada. Além disso, o crescimento das receitas acima das despesas permitiu os ganhos observados no resultado primário até 2007. No período, a taxa de crescimento real das receitas em 6,5% a.a., superior ao do crescimento do PIB, implicou o aumento do tamanho do estado na economia.

Gráfico 2: Receitas e Despesas Primárias, taxa de crescimento real, em % a.a.
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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Elaboração Própria

Gráfico 3: Receitas e Despesas Primárias, em % PIB
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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Elaboração Própria

Após 2008, observa-se um quadro de deterioração fiscal com as despesas crescendo a taxas elevadas, enquanto as receitas já não conseguiram crescer com mesmo dinamismo. Essa tendência levou os estados a um resultado fiscal deficitário em 2013 (Gráfico 3).

Desagregando as receitas primárias em tributárias, transferências do governo federal e demais receitas primárias (Gráfico 4), verifica-se que a maior contribuição da arrecadação dos estados entre 2003 e 2008 veio das receitas de transferências, explicando a melhora em 0,9 p.p. do PIB na arrecadação. Essas receitas são influenciadas pela arrecadação do IPI, Imposto de Renda e CIDE. Nesse período, as políticas de transferência de renda do governo federal, estímulo ao consumo pela expansão do crédito e aumento da formalização do trabalho, ampliaram bastante a base de cálculo desses tributos. As demais receitas primárias e as receitas tributárias contribuíram com 0,3 p.p. e 0,2 p.p. do PIB respectivamente. No total, as receitas cresceram 1,4 p.p. do PIB (elevação da carga tributária) até 2008.

Gráfico 4: Receitas Primárias, em % PIB
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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Elaboração Própria

No período após 2008, observa-se que as receitas de transferência iniciam trajetória declinante, chegando a perder 0,5 p.p. do PIB até 2013 (último dado disponível). Essa trajetória das receitas de transferência é explicada pela política de desonerações do IPI (carros, eletrodomésticos, etc) e CIDE do Governo Federal, como forma de combater os efeitos da crise. Observou-se que a manutenção dessa estratégia política levou a uma trajetória de queda contínua das transferências.

As receitas tributárias sofreram pequena queda de 0,1 p.p. do PIB no período, mesmo com um crescimento menor do PIB no período. Parte significativa das receitas tributárias se concentra em ICMS sobre energia elétrica, telefone e combustíveis (preços administrados), que cresceram a uma taxa menor que a inflação média no período. A compensação da queda das duas classificações acima foi dada pelas demais receitas primárias, como juros e mora de tributos e “receitas diversas”. É possível que os estados tenham elevado seus esforços em reaver dívidas anteriores por meio de programas de desconto na renegociação com contribuintes inadimplentes.

Do lado das despesas (Gráfico 5), observamos uma tendência clara de expansão das despesas de pessoal pelos estados,
a despeito da dificuldade de elevar, de forma significativa, os tão necessários investimentos públicos. Separando as despesas nos dois períodos de análise (2003-2008 e 2009-2013), observa-se que as despesas de pessoal, de custeio e de investimentos cresceram cada 0,4 p.p. do PIB entre 2003 e 2008 cada uma. No total, as despesas totais cresceram 1,2 p.p. do PIB (inferior ao crescimento das receitas).

Gráfico 5: Despesas Primárias, em % PIB
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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Elaboração Própria

Após 2008, observa-se um forte crescimento das despesas de pessoal, com expansão de 0,7 p.p. do PIB até 2013, enquanto o custeio cresceu 0,1 p.p. e os investimentos 0,2 p.p. do PIB. No total, as despesas primárias cresceram 1,0 p.p. do PIB, superior ao 0,1 p.p. do crescimento das receitas, o que explica a deterioração das contas públicas no período. Dessa forma, a deterioração das contas públicas dos estados ocorrida entre 2008 e 2013 pode ser explicada 70% pela elevação das despesas de pessoal, 10% do custeio e apenas 20% dos investimentos.

É importante ressaltar que a redução temporária do resultado primário, em teoria, pode ser salutar, desde que os recursos sejam empregados na expansão da capacidade da economia, como por meio dos investimentos em infraestrutura ou em educação. O que observamos, nos dados acima, é que os investimentos não cresceram. Foi também feito um levantamento das despesas na função orçamentária educação dos estados. Em 2008, essas despesas equivaliam a 2,2% PIB e, em 2013, caíram para 2,0% do PIB. Ou seja, houve redução de 0,2 p.p. do PIB.

O que podemos verificar nos dados citados é que a participação dos investimentos em infraestrutura e em educação nas despesas totais dos estados caíram. Houve piora da situação fiscal (resultado primário) a mesmo tempo em que houve piora do perfil do gasto público. É o pior cenário possível. Infelizmente, os estados, no agregado, perderam uma boa chance de ampliar seus investimentos em infraestrutura ou em educação no período, enquanto ainda dispunham de espaço fiscal. Agora, a situação fiscal será mais complexa de ser equacionada.

Outro fato interessante de ser observado é a rigidez orçamentária brasileira. Note que, no ano de 2011, houve ajuste fiscal tanto no nível federal, quanto no nível estadual. Infelizmente esse ajuste de 2011 foi realizado basicamente sobre os investimentos, com retração de 0,4 p.p., enquanto as despesas de pessoal subiram 0,2 p.p. e o custeio permaneceu estável no período. Esta é uma face perversa do ajuste fiscal realizado pelos governos. Não há como poupar os investimentos de cortes enquanto tivermos a atual rigidez da estrutura orçamentária brasileira.

Este trabalho também realizou a análise do endividamento dos estados e a capacidade de investir com recursos próprios. Define-se a capacidade de investir com recursos próprios (ou poupança corrente) como a diferença das receitas correntes com as despesas correntes. Em uma linguagem mais simplificada, o montante de recursos que sobram para investir fruto da diferença entre as receitas tributárias com os pagamentos das obrigações de pessoal, juros e custeio. Ou seja, não estão computados na capacidade de investir os recursos originários do endividamento público.

Gráfico 6: Receitas de Operações de Crédito e Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % PIB
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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Elaboração Própria

No Gráfico 6, é possível observar que, até 2008, a capacidade de investir com recursos próprios subiu consideravelmente, em 0,9 p.p. do PIB desde 2003. Porém, no período pós da crise de 2009, esse indicador caiu fortemente para 1,2% do PIB. Houve recuperação em 2010 e 2011 e voltou a mostrar deterioração em 2012 e 2013. Em 2013, a capacidade de investir com recursos próprios dos estados atingiu o menor nível em 10 anos, 1% do PIB, ou seja, apenas 7,5% de tudo o que é arrecadado pelos estados.

Esse comportamento é explicado em boa medida pelo comportamento das receitas de operações de crédito dos estados (endividamento). No Gráfico 6 é possível verificar que o montante dessas receitas estava relativamente estável até o ano de 2011. Em 2012, essas receitas triplicaram de valor como proporção do PIB, para 0,6%, e em 2013 elevaram ainda mais para 0,8% do PIB.

É interessante observar que a elevação das receitas de operações de crédito em 2012, em 0,4 p.p. do PIB, não implicou elevação das despesas de investimentos (Gráfico 5). O que observamos no ano de 2012 foi que as despesas de pessoal subiram na mesma magnitude (0,4 p.p. do PIB). Ou seja, há um indicativo de que a maior disponibilidade financeira das operações de crédito permitiu expansão das despesas de pessoal, enquanto os investimentos não foram realizados. Esse comportamento explica a queda na capacidade de investir dos estados nesse ano, uma vez que houve expansão de despesas correntes, por meio do endividamento, sem o aumento das receitas tributárias.

3) Perspectivas Futuras
O que podemos esperar das contas estaduais no médio prazo? Vai depender de inúmeros fatores econômicos e financeiros que impactam as contas públicas. Em 2015, podemos verificar que a maioria dos estados passam por situação crítica em suas finanças públicas. Muitos, inclusive, tendo problemas de caixa para pagar até as despesas de pessoal.

Enumero as cinco principais variáveis para o comportamento futuro das finanças públicas estaduais, assim como sua tendência de médio prazo:

1) Crescimento econômico: variável chave para a ampliação da base de arrecadação. Perspectivas não são boas. Neste ano de 2015, a previsão de mercado indica contração de 1% do PIB e de expansão de apenas 1,2% em 2016. Nos anos seguintes, o potencial de crescimento dependerá da implementação de reformas, principalmente microeconômicas, que o governo tenta fazer neste ano.

2) Inflação: variável igualmente importante para elevação da base tributária. Do ponto de vista fiscal, a tendência de alta dessa variável vai compensar parcialmente a falta de crescimento econômico nos próximos dois anos. A previsão de mercado indica inflação de 8,1% para 2015 e 5,6% em 2016. Destaca-se a elevação dos preços administrados acima da média geral, como gasolina e energia elétrica, que tem elevado peso nas arrecadações estaduais, o que pode ajudar na recuperação das receitas.

3) Royalties: Essas receitas são muito importantes para alguns estados e municípios. O preço do petróleo caiu fortemente nos últimos meses e não há perspectivas que ele retorne para os patamares observados nos últimos anos. É um fator negativo para o reequilíbrio das contas de alguns estados. Por outro lado, a depreciação cambial e o aumento da produção (em que pese a crise da Petrobras) podem neutralizar parte substancial dessa queda.

4) Despesas: Dada a crise financeira que vários governos encontraram neste ano, há perspectiva de redução da taxa de crescimento das despesas. Infelizmente, o maior corte será sobre os investimentos. O problema se encontra na rigidez orçamentária brasileira (difícil cortar despesas de pessoal e custeio) e no comportamento oportunista de alguns governadores, no ano passado (eleição), de negociar reajustes salariais parcelados para a conta ser paga em 2015 e 2016.

5) Autorização de Endividamento: A ampliação dos limites de endividamento dos estados impacta negativamente o resultado primário pois se trata de uma receita financeira normalmente vinculada a gastos primários. Vescovi (2014) fez o levantamento do cronograma das operações de crédito já aprovadas. Verifica-se que em 2014 houve o impacto máximo das autorizações recentes dadas aos Estados (o que explica a forte queda no primário desse ano). A perspectiva futura é de redução desse montante, caso o governo não autorize mais operações. Espera-se, dessa forma, que essa variável não seja propulsora futura de deterioração fiscal.

Gráfico 7: Operações de Crédito Autorizadas aos Estados, em R$ bilhões
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Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Elaboração Própria

4) Conclusão
As finanças públicas estaduais apresentaram comportamento cíclico no Brasil nos últimos 25 anos. Desde 2012 iniciamos um ciclo de deterioração mais acentuado das contas estaduais, que já reverteu os ganhos observados até o ano de 2008. Infelizmente os estados perderam a oportunidade de ampliar os investimentos em infraestrutura ou em educação, mantendo estáveis as despesas com custeio e pessoal. Agora, teremos que aguardar mais um ciclo de bonança para que os estados possam ampliar sua capacidade de investir. Nessa tendência cíclica, tudo indica que 2014 foi o ano com pior resultado fiscal e que as perspectivas futuras são de retomada gradual do superávit primário.

Essa tendência de recuperação gradual será ajudada pela inflação mais elevada, com correção dos preços relativos (administrados), pelo maior rigor no controle das despesas, com a crise financeira observada em alguns estados, e pelas perspectivas de redução no ritmo de aprovação das operações de crédito. Como força contrária, atuará o menor dinamismo da economia brasileira, associado à queda dos investimentos próprios, dos investimentos do governo federal e das estatais (notadamente a Petrobrás), além da redução do preço do petróleo.

É importante que reconheçamos a oportunidade perdida, no nível estadual, de melhorar o perfil do gasto público. O ciclo de bonança das contas públicas acabou e precisamos construir os alicerces para a sustentabilidade futura. É necessário refletir sobre o papel do estado em atuar com qualidade em suas atividades primordiais, como educação e infraestrutura, antes de querer expandir para outras áreas. Não custa lembrar que, na economia, nada é de graça. O princípio da escassez, já bem consolidado nas sociedades de economias avançadas, precisa ser discutido com maior seriedade no Brasil. Existem escolhas difíceis a serem exercidas pela sociedade brasileira, a protelação delas só vai agravar o quadro para o desenvolvimento econômico para as futuras gerações.

Referências
RIGOLON, F. E GIAMBIAGI, F. A Renegociação das Dívidas e o Regime Fiscal dos Estados. Textos para Discussão do BNDES número 69, 1999.
SICONFI (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro). Base de Dados in https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/. Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda.
VESCOVI, A. P. Endividamento dos Estados. Apresentação, São Paulo, maio, 2014.

House of Cards e o Brasil

Publicado no Valor Econômico
17/4/2015

No primeiro episódio da recém-lançada temporada de House of Cards (seriado produzido pelo Netflix), o protagonista da história, Frank Underwood, após se tornar presidente dos Estados Unidos, cobra soluções para sua equipe de ministros sobre o problema dos crescentes gastos do governo. O presidente informa que as despesas obrigatórias do governo com previdência, saúde e outras sociais custam aos contribuintes americanos 44 centavos de cada dólar pago em tributos e, em 2030, com a mudança do perfil da população, essas despesas passarão a corresponder a 62 centavos para cada um dólar: “As despesas obrigatórias estão nos falindo” disse o Presidente.

As despesas obrigatórias são fonte de preocupação para a maioria dos países do mundo e, no Brasil, a situação também é bastante desafiadora. Primeiramente, nosso perfil demográfico está envelhecendo rapidamente. De acordo com a ONU, em 2050, a população brasileira terá a idade média semelhante à europeia. Haverá um forte ingresso de pessoas requerendo benefícios de aposentadorias e pensões, além de pressionar as despesas de saúde. Adicionalmente, a capacidade de absorver aumento das despesas do governo brasileiro é bastante limitada. O Brasil já dispõe de elevada carga tributária, cujo montante é de 37% do PIB, contra 26% da média dos países emergentes. Assim como, também, dispõe de elevado endividamento bruto. O montante representa 67% do PIB, ante 34% da média dos países emergentes. Ou seja, o ajuste fiscal pelos caminhos mais fáceis, de elevar tributos ou se endividar, está mostrando sinais de esgotamento.

Outra característica brasileira, normalmente não observada de forma tão pronunciada em países emergentes, é o nível de rigidez orçamentária, como citado no episódio de House of Cards. As despesas obrigatórias do governo federal, pelo Projeto de Lei Orçamentária 2015, correspondem a 87 centavos de cada real gasto. Além disso, há uma série de vinculações de receitas que restringem a aplicação dos recursos nas áreas necessitadas, fazendo com que haja excesso de dinheiro em determinada áreas, por mais que elas não precisem. Apenas 25% do financeiro do governo pertence à fonte de recursos livres, mesmo com aplicação da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Não bastante, ainda há regras de aplicação mínima em despesas específicas que podem não refletir, necessariamente, a demanda da sociedade naquele momento ou naquela localidade.

Esse processo de rigidez orçamentária tem origem na formação do estado brasileiro, mas sofreu um forte aumento após a constituição de 1988, onde foi dada uma série de direitos (muitos legítimos), em um ambiente inflacionário, sem apontar as fontes para financiá-los. A partir daí foram feitos vários “puxadinhos” tributários que elevaram a carga, criadas regras complexas de acesso aos programas governamentais, além da expansão das atividades do estado, sem que suas atividades essenciais (exemplo, a educação) estivessem bem financiadas e geridas. No âmbito político, partiu-se equivocadamente do pressuposto que a solução dos problemas seria restringir a discricionariedade de aplicação dos recursos, criando vinculações ou exigindo aplicações mínimas em determinadas áreas, ao invés de repensar as atividades essenciais do Estado.

Talvez, a raiz da maioria dos problemas está na ausência do princípio da escassez na sociedade brasileira. Saber que dar um benefício a algum grupo implicará que a sociedade como um todo terá que pagar mais impostos por isso ou que seus futuros cidadãos terão que arcar com essa conta. Em um levantamento feito por Marcos Mendes, observa-se que 78% dos projetos de reforma da previdência que tramitam no Congresso são para prover mais benefícios (muitos a grupos específicos). Se todos os cidadãos são iguais perante a lei, por que alguns têm direito a se aposentar antes? A ter mais dias de férias? A ter jornada de trabalho diferenciada? Não irei entrar no mérito se estas questões são justas ou não, mas há uma certeza, alguém irá pagar por isso e será você cidadão contribuinte.

Em teoria econômica, poderíamos definir esse ambiente político-orçamentário em que o Brasil vive como um “equilíbrio no resultado ruim”. Ou seja, se os agentes da sociedade agirem racionalmente, eles optarão por se reunir em grupos e fazerem pressão para obter algum benefício do estado. Quem não fizer isso, terá que pagar a conta. Em pouco tempo, todos terão algum benefício o que, no limite, significa que o ganho será nulo. O estado fica mais inchado, as regras ficam mais complexas, o Custo-Brasil aumenta, há desincentivos às atividades produtivas e a sociedade como um todo fica mais pobre.

Outra característica desse ambiente é a falta de uma discussão política séria. Dado que nossa população está envelhecendo rapidamente, será que a sociedade brasileira sabe que, na vasta maioria dos países, exige-se idade mínima de aposentadoria de 65 anos (independente do tempo trabalhado)? Que não há distinção na idade de aposentadoria entre homem e mulher? Será que o estado brasileiro será tão eficiente e rico no futuro para continuar bancando as regras atuais? Neste ambiente de tragédia anunciada, como uma proposta de reforma da previdência, de forma gradual, pode ser impopular perante a sociedade? Para mim, não faz sentido.

A previdência é apenas um exemplo que pode ser replicado às inúmeras outras áreas do governo. Chega-se o momento em que a realidade se impõe. Se essa forma de fazer escolhas da nossa sociedade permanecer, infelizmente ainda viveremos inúmeras outras crises com elevados custos sociais. Dani Rodrik, professor de Harvard, afirma que manter o processo de crescimento econômico é muito mais difícil que iniciá-lo, requerendo reformas institucionais cada vez mais amplas que busquem maior resiliência às crises e estimulem a produtividade. Espero que o Brasil aproveite este momento de crise e avance nessas reformas, que levem o país, de fato, ao rumo do crescimento sustentável, com melhor qualidade de vida para sua população.