O Brasil atravessa uma das crises mais complexas da sua história recente, que combina elementos econômicos e políticos. O processo contínuo de deterioração fiscal dos últimos anos, juntamente com a ausência de reformas estruturais, colocou o país em uma situação financeira desafiadora. Esta não é a primeira e não será a última crise que o país enfrentará, no entanto, a capacidade do governo em resolvê-la com medidas paliativas se exauriu.
Hoje, o Brasil já dispõe de elevada carga tributária, cujo montante é de 35% do PIB, contra 26% da média dos países emergentes. A capacidade de se endividar está mais limitada: a dívida bruta deve atingir 70% do PIB no curto prazo (superior ao limite prudencial em 60% do PIB e superior a média de 46% dos emergentes). Além disso, os problemas fiscais estruturais foram antecipados com o baixo dinamismo econômico. O déficit da previdência, por exemplo, passará de R$ 57 bilhões em 2014 para R$ 125 bilhões em 2016.
O desajuste fiscal foi a origem desta crise e se tornou a variável-chave para sua solução. Apenas com o processo de consolidação fiscal o país poderá reduzir, de forma sustentável, as taxas de juros e criar espaço para a retomada da atividade. Mas isso não será fácil. Devido à baixa perspectiva de crescimento no médio-prazo, o reequilíbrio das contas públicas exigirá forte esforço da sociedade e deve passar pela revisão do contrato social estabelecido na Constituição de 88. É preciso revisitar as regras de vários programas públicos, com base na experiência internacional, de forma pragmática e menos ideológica.
Além das necessárias reformas fiscais estruturais, há um espaço enorme para melhorar a eficiência do setor público por meio de reformas administrativas, ainda pouco avaliadas nos debates econômicos. Podemos observar, nas boas práticas internacionais, que os países avançados estão em processo contínuo de aprimoramento dos métodos de gestão. Desde os anos 80, a maioria dos países da OCDE passaram por pelo menos três “ondas” de reforma do estado.
Na primeira, influenciados pelos governos Thatcher e Reagan, foi dada ênfase na redução do tamanho do estado por meio da desregulamentação, privatização e descentralização. A ideia central é que o crescimento do setor privado era limitado pela alta carga tributária e elevada interferência do governo. No Brasil, essas reformas só tomaram fôlego nos anos 90.
Em seguida, os países avançados aplicaram métodos de gestão privada no setor público, que ficou conhecido como “New Public Management”. As ideias centrais eram: estímulo a competição entre os órgãos públicos e, inclusive, com o setor privado por meio de concessão ou de financiamento da demanda (subsídios ou vouchers); afrouxamento dos padrões operacionais tanto na formulação quanto na execução da política pública (“permitir que os administradores administrem”); direcionamento e controle dos órgãos públicos baseado em metas de resultado; definição do orçamento com base na performance; e terceirizar as atividades meio dos órgãos públicos para o setor privado.
Muitas das reformas do “New Public Management” funcionaram e foram adotadas por vários países. No entanto, em alguns casos, a aplicação dessa teoria gerou resultados negativos como o crescimento das áreas administrativas dos órgãos públicos, perda de qualidade dos serviços, desmotivação dos servidores e perda do controle pelo governo central dos serviços prestados. Verificou-se, por exemplo, que metas de resultado são complexas de serem quantificadas e avaliadas em várias áreas, assim como, a teoria não deixa claro as sanções que devem ser adotadas sobre as agências que não tiverem performance adequada.
Os países que mais avançaram na aplicação do “New Public Management”, como Austrália, Inglaterra e Holanda, atualmente estão ajustando, revisando e até mesmo abolindo alguma dessas reformas. Em recente estudo divulgado neste ano, a OCDE identifica haver, no momento, uma nova onda de reformas administrativas cunhada de “Building on Basics”. A ideia central é formatação de órgãos públicos com mais “front office” (atendimento) e menos “back office” (administrativo).
As principais ideias dessa tendência são: realocar recursos das áreas administrativas para as áreas de atendimento; integrar melhor o executor com as áreas de formulação das políticas; fusão de órgãos públicos dividindo unidades de processos operacionais; compartilhamento de serviços de suporte; definição de padrões operacionais em diversas áreas; separação entre a definição do orçamento e a avaliação dos resultados; controle dos resultados por meio de diálogo permanente, em vez de indicadores; redução da complexidade das informações na documentação orçamentária; e buscar maior ênfase no atendimento aos indivíduos e às empresas por meio de maior variedade de serviços. Essa nova tendência só é possível, em parte, pelas novas tecnologias na área da informação que permitem aproximar o relacionamento do governo com a sociedade.
O Brasil, de forma geral, avançou pouco nos últimos anos na área da gestão pública. Os principais marcos legais do setor público datam do início dos anos 90 e se encontram defasados com as práticas gerenciais modernas. Tome, por exemplo, as áreas de recursos humanos, onde observamos problemas desde os critérios de seleção dos servidores até os incentivos apropriados ao melhor desempenho das suas funções. Parte das boas práticas do Building on Basics podem ser aplicadas por simples atos gerenciais, no entanto, o avanço mais profundo requer mudanças nas regras do setor público brasileiro que provocam o engessamento da máquina e não geram os incentivos corretos para maior economicidade, eficácia e melhor atendimento à população.
Reformas administrativas não são panaceia, mas podem gerar ganhos econômicos significativos tanto ao governo, quanto ao privado por meio da desburocratização e da maior qualidade nos serviços públicos. Normalmente, as crises criam o ambiente propício para a discussão de reformas mais profundas e o Brasil não pode perder a oportunidade de construir uma base institucional mais eficiente para a gestão do setor público.