Comportamento das Finanças Públicas Estaduais pelo “Acima da Linha” em 2015

Este trabalho busca avaliar o comportamento das finanças públicas estaduais pelo resultado fiscal na metodologia “acima da linha”, com base nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Essa metodologia permite avaliarmos os principais componentes do resultado primário, como os tipos de receitas e as despesas pública.

É importante registrar que não existe uma metodologia uniforme para a contabilização das receitas e despesas primárias. Assim, a comparação entre estados pode não refletir, necessariamente, uma situação fiscal melhor ou pior, mas simplesmente formas diferentes de contabilização. Nesse sentido, o resultado medido pelo “abaixo da linha” calculado pelo Banco Central é mais confiável, no entanto ele carece de informações sobre os componentes das receitas e despesas.

O estudo sobre o resultado dos governos regionais pelo abaixo da linha em 2015, cujo título é “Esforço Fiscal do Setor Público e Comportamento das Finanças Públicas Regionais em 2015”, pode ser encontrado no endereço: https://pedrojucamaciel.com/?p=184.

Ao analisarmos os dados do resultado primário apurado até o agosto, podemos observar maior esforço fiscal dos entes estaduais neste ano, em relação ao ano anterior. Na maioria dos estados, a barra azul (resultado primário de 2015) é superior a barra laranja. Os cinco estados com menor nível de primário são o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

Gráfico 1: Superávit Primário, acumulado até agosto, em % das Receitas Primárias
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

É importante mencionar algumas especificidades que este trabalho mapeou de alguns estados. Essa melhora significativa do estado do Rio de Janeiro neste ano se deve a utilização dos depósitos judiciais que foram classificados como receitas correntes. Isso gerou um impacto positivo de R$ 7,2 bilhões. Se desconsiderássemos essa contabilidade, o estado estaria na pior colocação, com um primário deficitário em R$ 7,3 bilhões (próximo do acumulado em 12 meses pelo critério “abaixo da linha”). O estado do Mato Grosso do Sul não divulgou ainda o RREO do 4º bimestre, dessa forma foi utilizado o do bimestre anterior. O Distrito Federal teve mudança de classificação das receitas e despesas das transferências do FCDF, foram feitos os ajustes para manter a base comparável. Além disso, o Paraná não teve seu balanço assinado, podendo ainda sofrer alterações nos números.

Este trabalho propõe um outro indicador para mensurar a situação fiscal dos estados. No entanto, para seu melhor entendimento, é necessário fazer alguns esclarecimentos. Pela classificação econômica, as receitas são classificadas em correntes e capital. As receitas correntes originárias dos impostos, taxas, contribuições, etc. Já as de capital são, em geral, fruto do endividamento. Dessa forma, as melhores receitas, do ponto de vista fiscal, são as correntes. Já nas despesas, as correntes são as despesas de pessoal, juros e custeio. As despesas de capital são de investimentos e amortização da dívida. Assim, de uma forma simplificada, as despesas de capital são mais desejáveis que as correntes.

Gráfico 2: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, acumulado até agosto, em % das Receitas Primárias
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

O indicador “capacidade de investir com recursos próprios” é calculado pela subtração das receitas correntes com as despesas correntes e as despesas com amortização. Ou seja, é o montante de recursos arrecadado pelo estado (sem se endividar) que não está alocado para despesas de manutenção da máquina pública (correntes) ou para o pagamento da dívida do ente. É o quanto sobra para investir dos recursos próprios.

Observa-se, por esse indicador, que a maioria dos estados estão em uma situação pior neste ano em relação ao ano de 2014. A pergunta que se sucede é: por que os estados estão com menor capacidade de investir neste ano, apesar da melhora do resultado primário? Há três motivos para isso.

Motivo 1: Menor dinamismo das receitas

O Gráfico 3 apresenta a variação das receitas primárias de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Observa-se que, para a vasta maioria dos estados, o crescimento das receitas não foi suficiente para recompor a inflação que gira em torno de 9,5% a.a. Ou seja, há um crescimento real negativo das receitas primárias dos estados. No caso do RJ, se excluirmos as receitas dos depósitos judiciais, o crescimento seria de -10%.

Gráfico 3: Receitas Primárias, acumulado até agosto, variação anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Motivo 2: Incapacidade dos governos em cortar despesas obrigatórias, notadamente pessoal

O Gráfico 4 apresenta a variação das despesas de pessoal de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Pode-se observar que a maioria dos estados apresentaram crescimento real positivo das despesas de pessoal. Neste ano, cinco estados ultrapassaram o limite dos gastos de pessoal em relação a receita corrente líquida e outros 17 estão acima do limite prudencial. Parte dos novos governantes receberam uma conta amarga do seu antecessor, os reajustes salariais parcelados com repercussão financeira no mandato seguinte. Trata-se de uma brecha da LRF. O Projeto de Lei do Senado nº 389/2015 de autoria do Sen. Ricardo Ferraço objetiva fechar essa lacuna. Ademais, podemos observar que a folga financeira com a ampliação das autorizações de operações de crédito entre 2012 e 2014 foram destinadas à ampliação das despesas de pessoal, ou seja, houve “troca de fonte”.

Gráfico 4: Despesas de Pessoal, acumulado até agosto, variação anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Motivo 3: Ajuste fiscal pelo corte dos investimentos

Com a piora da arrecadação e aumento das despesas obrigatórias, a restrição financeira fez com que os estados fizessem o ajuste nas despesas discricionárias, notadamente os investimentos. Infelizmente é o componente do gasto que gera maior retorno por ampliar a infraestrutura, além de promover maior efeito multiplicador na atividade econômica e ajudar o país a sair da recessão.

Um problema adicional em cortar investimentos se deve a paralisação de obras. Quando isso ocorre, os projetos passam necessariamente por uma revisão (para cima) nos preços, pelos custos associados à desmobilização de pessoal e equipamentos das obras. Trata-se de algo muito perverso do ponto de vista econômico e social. Os investimentos são as despesas que mais precisam de previsibilidade e são as que mais sofrem flutuações, não é à toa que a qualidade do gasto público é baixíssima no Brasil.

Observa-se que a maioria dos estados cortaram em mais de 50% os investimentos neste ano, se comparado com o ano anterior. Apenas o estado do Amapá conseguiu ampliar os investimentos em 2015. Assim, o corte das despesas no investimento explica a melhora no resultado primário dos governos estaduais ao mesmo tempo que a capacidade de investir com recursos próprios caísse, já que se observou menor crescimento das receitas e maior gasto com despesas corrente.

Gráfico 5: Despesas com investimentos, acumulado até agosto, variação anual, em %
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Fonte: STN. Elaboração Própria.

Resultados e Conclusões

Podemos observar que os estados passam por um processo de ajuste fiscal em relação ao ano anterior. Esse resultado está consistente com os dados apurados pela metodologia “abaixo da linha” do Banco Central. No entanto, devido a rigidez legal e orçamentária do setor público brasileiro, o ajuste fiscal foi de baixa qualidade, reduzindo a capacidade de investimento com recursos próprios. Os motivos para a baixa qualidade do ajuste foram o menor dinamismo da arrecadação, o maior comprometimento com despesas obrigatórias (notadamente pessoal) e corte drástico nos investimentos públicos. Dessa forma, devido à grave situação fiscal, os estados atuam de forma pró-cíclica e agravam os efeitos recessivos da crise econômica. Enquanto o setor público for regido por regras que ampliam as despesas obrigatórias, combinadas com a rigidez gerencial, o que podemos esperar é o aumento da carga tributária e o tamanho do, cada vez mais ineficiente, estado brasileiro. Quantas novas crises serão necessárias para aprendermos isso?

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