Capacidade de Investir com Recursos Próprios dos Estados (Reportagem Valor 30/12/2015)

O valor econômico publicou hoje (30/12/2015) reportagem sobre o trabalho que fiz com objetivo de mensurar a capacidade dos estados em investir com dados atualizados até o 5º Bimestre de 2015.
Link: Link Reportagem do Valor Econômico
Pdf: Aval a crédito não destrava investimento de Estados

Segue, abaixo, o estudo completo que originou a reportagem:

Capacidade de Investir com Recursos Próprios dos Estados

O presente trabalho tem o objetivo de mensurar a capacidade fiscal dos estados brasileiros de investir com recursos próprios. A ideia desse indicador é complementar a informação trazida pelo resultado primário adicionando na avaliação um critério qualitativo do perfil da receita e do gasto público.

O resultado primário é definido como a diferença entre as receitas e as despesas não financeiras do governo. De uma forma simplificada, ele indica o quanto sobra das receitas fruto do esforço fiscal (ex. tributárias) após o pagamento das despesas não financeiras (ex. pessoal, custeio e investimentos) com o objetivo de honrar os compromissos de pagamento da dívida.

Para melhorar o resultado primário, por exemplo, tanto faz o governo cortar despesas de pessoal ou de investimentos. O impacto fiscal será o mesmo, porém, o impacto econômico é completamente diferente. Boa parte dos investimentos serve para ampliar e modernizar a infraestrutura, elevando a capacidade de crescimento futuro do país por meio da redução dos custos de congestionamento e do aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Ademais, é importante estimar um indicador fiscal que consiga captar, de alguma forma, a “margem de manobra” que os governos têm para honrar suas obrigações financeiras. Uma característica peculiar do Brasil em relação a outros países é o nível de rigidez orçamentária. Quando o governo decide ampliar o tamanho do estado no período de “vacas gordas”, dificilmente ele consegue reduzir quando “as vacas estão magras”, pelas várias regras inflexíveis que regem o setor público brasileiro.

Dessa forma, este trabalho sugere um indicador para medir qualitativamente como está a situação fiscal a partir da capacidade de investir dos entes. Além disso, esse indicador revela o grau de discricionariedade que o ente dispõe para gerenciar as contas públicas.

Para a estimativa desse indicador, parte-se das informações da classificação econômica das receitas e despesas constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária dos estados. Porém, é necessário fazer uma ressalva importante. Ainda não existe uma padronização bem estabelecida no registro contábil dos entes subnacionais. Trata-se de uma lacuna na legislação para aplicação dos limites estabelecidos na LRF de forma apropriada. Observa-se, para alguns entes e para algumas situações, o registro inapropriado de algumas operações que ajudam a melhorar artificialmente os indicadores fiscais. Este trabalho utilizou a informação oficial constante nos balanços.

Para explicar o cálculo do indicador, é necessário entender alguns conceitos da classificação econômica das receitas e despesas (Manual Técnico de Orçamento 2015, MPOG).

Do lado das receitas:

Receitas Correntes: são as receitas que aumentam as disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido, e constituem instrumento para financiar as políticas públicas. Classificam-se como correntes as receitas provenientes de tributos; de contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas, etc.

Receitas de Capital: são as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; conversão, em espécie, de bens e direitos; recebimento de recursos de outras pessoas de direito público ou privado.
Do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, é mais importante o ente ter mais receitas correntes que de capital, uma vez que as correntes estão sob controle da administração estadual e não geram obrigação futura. Boa parte das receitas de capital são fruto do endividamento ou da venda de ativos, algo que não é sustentável se utilizado em excesso.

Do lado das despesas:

Despesas Correntes: são aquelas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: pessoal, juros e encargos e custeio.

Despesas de Capital: são aquelas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: investimentos, inversões financeiras ou amortizações da dívida.

Em relação ao perfil do gasto, de maneira geral, é interessante ter uma participação maior das despesas de capital que das despesas correntes já que as despesas de capital estão associadas à criação ou aquisição de ativos para a sociedade (investimentos ou inversões financeiras) ou para amortizar dívidas e reduzir suas obrigações financeiras. Uma exceção a essa lógica são as despesas em educação, que em grande parte é com pessoal e promove efeitos econômicos importantíssimos de longo prazo.

A capacidade de investir com recursos próprios é calculada da seguinte forma:
Cap. Investir Rec. Próprios = Rec. Correntes (-) Desp correntes (-) Amortizações (-) Inv. Financeiras (Finc.) (-) Restos a pagar inscritos para despesas correntes (+) Restos a pagar cancelados para despesas correntes

Ou seja, o indicador mede o que sobra da arrecadação própria (sem depender do endividamento, alienação de ativos ou transferências do governo federal), após o pagamento das sobre obrigações correntes, para realizar despesas de investimentos e inversões financeiras primárias. Trata-se também de uma aproximação do grau de discricionariedade (“margem de manobra”) que o governo dispõe para honrar seus compromissos.

Ademais, é importante que esse indicador capte as restrições financeiras que os entes passam. Ao contrário do governo federal, que tem capacidade mais frouxa de elevar seu endividamento, os estados e municípios precisam de autorização da união para se endividar e, dessa forma, qualquer eventual necessidade de caixa inviabiliza a execução da despesa. Assim, o indicador também incluiu os compromissos da execução orçamentária de exercícios anteriores que ainda precisam ser pagos neste ano, os chamados restos a pagar.

Figura 1: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % da Rec. Primárias (Dados acumulados até o 5º Bimestre)
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Observações:
* Estados contabilizaram as receita dos depósitos judiciais como primárias e correntes: RJ (R$ 6,8 bi), MG (R$ 2 bi) e RS (R$ 1,8 bi).
(1) MS: Dados até 4º Bimestre informado no próprio sitio do Governo do Mato Grosso do Sul
(2) DF: Foi considerado R$ 1 bilhão de despesas de exercícios anteriores não contabilizadas no RREO
(3) SP: Não foi considerado inscrição de R$ 11 bi em RAP de pessoal

As estimativas revelam que a capacidade dos estados em investir com recursos próprios está negativa em 2%, no total até o 5º bimestre deste ano. Trata-se de uma situação de “stress financeiro” grave. Dos 27 estados, nenhum estado possuem o indicador de capacidade de investir com recursos próprios acima de 10%, nível minimamente razoável. Até o 4º bimestre, a situação era um pouco melhor, onde 3 estados ainda conseguiram obter índice maior que 10%. A tendência é que no próximo bimestre a situação piore ainda mais pela elevação das despesas com o pagamento do 13º para os servidores da ativa e aposentados.

Figura 2: Despesas com Investimentos, dados acumulados até o 5º Bimestre, % variação relação ao mesmo período do ano anterior
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Observações:
* MS: Dados até 4º Bimestre informado no próprio sitio do Governo do Mato Grosso do Sul

Dessa forma, pode-se esperar a tendência de atraso no pagamento das obrigações dos entes em pior situação financeira, não apenas para fornecedores, mas até para a folha de pagamento.

Revela-se que a situação fiscal é complexa e necessita de uma ampla agenda de reformas para seu equacionamento:

1º) Reforço do marco legal existente: restrição dos limites de endividamento, de concessão de garantias do governo federal, de permissão das excepcionalidades das garantias dos empréstimos e brecha legal que permite a concessão de aumentos salariais com repercussões no mandato posterior.

2º) Falta de padronização dos critérios para aplicação dos limites da LRF: cada estado interpreta de uma forma e, por vezes, oportunista.

3º) Reformas estruturais do gasto público: reduzindo o comprometimento das despesas de pessoal por meio da melhor aplicabilidade dos critérios de exoneração (CF e LRF), redução da jornada de trabalho, normatização do direito de greve dos servidores, critérios de reajuste salarial. Ademais, é necessário revisar as regras de aposentadorias dos servidores, de forma a estabelecer idade mínima de 65 para homens e mulheres, revisão de aposentadorias especiais para algumas categorias e revisão do sistema de pensões. Flexibilizar os critérios de aplicação mínima das despesas de custeio para torna-la mais flexível e permitir a adoção do caráter anticíclico da política fiscal.

4º) Reforma nas regras orçamentárias (Relatório do PLS 229/2009): buscar o realismo orçamentário, elevar a capacidade de planejamento do espaço fiscal de médio prazo, estabelecer fundamentação técnica para a elaboração de projetos de investimentos, limitação das despesas de restos a pagar para a disponibilidade financeira em todos os anos do mandato, reforço técnico dos instrumentos de avaliação dos programas (ex-ante e ex-post) e convergência da contabilidade aos padrões internacionais.

5º) Reformas gerenciais: focar nas atividades essenciais do estado, focar no atendimento ao cidadão (front office), integrar melhor a formulação e a execução, fusão de órgão públicos, controle e avaliação por meio do diálogo permanente, compartilhamento dos serviços de suporte, adotar novas tecnologias nos sistemas de compras e melhorar coordenação entre órgãos do governo.

Não há dúvidas que os desafios são grandes e a agenda de reformas necessárias envolve paradigmas consolidados na sociedade brasileira. Dado nossa carga tributária se aproximando de 40% do PIB, o caminho mais fácil de elevar tributos mostra-se cada vez mais esgotado. O tamanho do setor público e sua ineficiência está chegando no limite. Se não adotarmos medidas estruturais para resolvermos os problemas, estaremos em uma tendência crescente de elevação da carga tributária ou estarmos sempre fadados a reviver momentos de crise como o atual.

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Reforma do Setor Público: Construindo pelo Básico

O Brasil atravessa uma das crises mais complexas da sua história recente, que combina elementos econômicos e políticos. O processo contínuo de deterioração fiscal dos últimos anos, juntamente com a ausência de reformas estruturais, colocou o país em uma situação financeira desafiadora. Esta não é a primeira e não será a última crise que o país enfrentará, no entanto, a capacidade do governo em resolvê-la com medidas paliativas se exauriu.

Hoje, o Brasil já dispõe de elevada carga tributária, cujo montante é de 35% do PIB, contra 26% da média dos países emergentes. A capacidade de se endividar está mais limitada: a dívida bruta deve atingir 70% do PIB no curto prazo (superior ao limite prudencial em 60% do PIB e superior a média de 46% dos emergentes). Além disso, os problemas fiscais estruturais foram antecipados com o baixo dinamismo econômico. O déficit da previdência, por exemplo, passará de R$ 57 bilhões em 2014 para R$ 125 bilhões em 2016.

O desajuste fiscal foi a origem desta crise e se tornou a variável-chave para sua solução. Apenas com o processo de consolidação fiscal o país poderá reduzir, de forma sustentável, as taxas de juros e criar espaço para a retomada da atividade. Mas isso não será fácil. Devido à baixa perspectiva de crescimento no médio-prazo, o reequilíbrio das contas públicas exigirá forte esforço da sociedade e deve passar pela revisão do contrato social estabelecido na Constituição de 88. É preciso revisitar as regras de vários programas públicos, com base na experiência internacional, de forma pragmática e menos ideológica.

Além das necessárias reformas fiscais estruturais, há um espaço enorme para melhorar a eficiência do setor público por meio de reformas administrativas, ainda pouco avaliadas nos debates econômicos. Podemos observar, nas boas práticas internacionais, que os países avançados estão em processo contínuo de aprimoramento dos métodos de gestão. Desde os anos 80, a maioria dos países da OCDE passaram por pelo menos três “ondas” de reforma do estado.

Na primeira, influenciados pelos governos Thatcher e Reagan, foi dada ênfase na redução do tamanho do estado por meio da desregulamentação, privatização e descentralização. A ideia central é que o crescimento do setor privado era limitado pela alta carga tributária e elevada interferência do governo. No Brasil, essas reformas só tomaram fôlego nos anos 90.

Em seguida, os países avançados aplicaram métodos de gestão privada no setor público, que ficou conhecido como “New Public Management”. As ideias centrais eram: estímulo a competição entre os órgãos públicos e, inclusive, com o setor privado por meio de concessão ou de financiamento da demanda (subsídios ou vouchers); afrouxamento dos padrões operacionais tanto na formulação quanto na execução da política pública (“permitir que os administradores administrem”); direcionamento e controle dos órgãos públicos baseado em metas de resultado; definição do orçamento com base na performance; e terceirizar as atividades meio dos órgãos públicos para o setor privado.

Muitas das reformas do “New Public Management” funcionaram e foram adotadas por vários países. No entanto, em alguns casos, a aplicação dessa teoria gerou resultados negativos como o crescimento das áreas administrativas dos órgãos públicos, perda de qualidade dos serviços, desmotivação dos servidores e perda do controle pelo governo central dos serviços prestados. Verificou-se, por exemplo, que metas de resultado são complexas de serem quantificadas e avaliadas em várias áreas, assim como, a teoria não deixa claro as sanções que devem ser adotadas sobre as agências que não tiverem performance adequada.

Os países que mais avançaram na aplicação do “New Public Management”, como Austrália, Inglaterra e Holanda, atualmente estão ajustando, revisando e até mesmo abolindo alguma dessas reformas. Em recente estudo divulgado neste ano, a OCDE identifica haver, no momento, uma nova onda de reformas administrativas cunhada de “Building on Basics”. A ideia central é formatação de órgãos públicos com mais “front office” (atendimento) e menos “back office” (administrativo).

As principais ideias dessa tendência são: realocar recursos das áreas administrativas para as áreas de atendimento; integrar melhor o executor com as áreas de formulação das políticas; fusão de órgãos públicos dividindo unidades de processos operacionais; compartilhamento de serviços de suporte; definição de padrões operacionais em diversas áreas; separação entre a definição do orçamento e a avaliação dos resultados; controle dos resultados por meio de diálogo permanente, em vez de indicadores; redução da complexidade das informações na documentação orçamentária; e buscar maior ênfase no atendimento aos indivíduos e às empresas por meio de maior variedade de serviços. Essa nova tendência só é possível, em parte, pelas novas tecnologias na área da informação que permitem aproximar o relacionamento do governo com a sociedade.

O Brasil, de forma geral, avançou pouco nos últimos anos na área da gestão pública. Os principais marcos legais do setor público datam do início dos anos 90 e se encontram defasados com as práticas gerenciais modernas. Tome, por exemplo, as áreas de recursos humanos, onde observamos problemas desde os critérios de seleção dos servidores até os incentivos apropriados ao melhor desempenho das suas funções. Parte das boas práticas do Building on Basics podem ser aplicadas por simples atos gerenciais, no entanto, o avanço mais profundo requer mudanças nas regras do setor público brasileiro que provocam o engessamento da máquina e não geram os incentivos corretos para maior economicidade, eficácia e melhor atendimento à população.

Reformas administrativas não são panaceia, mas podem gerar ganhos econômicos significativos tanto ao governo, quanto ao privado por meio da desburocratização e da maior qualidade nos serviços públicos. Normalmente, as crises criam o ambiente propício para a discussão de reformas mais profundas e o Brasil não pode perder a oportunidade de construir uma base institucional mais eficiente para a gestão do setor público.

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