O objetivo desta resposta é contestar a nota técnica feita pela Secretaria de Finanças de Pernambuco (SEFAZ) sobre o estudo feito de minha autoria sobre a situação das finanças públicas do Estado de Pernambuco. Primeiramente, gostaria de mencionar que a metodologia utilizada no trabalho foi discutida amplamente com vários especialistas de finanças públicas, bem-conceituados nacionalmente, e já foi objeto de trabalhos anteriores (já publicados). Ademais, todos os dados utilizados foram extraídos do próprio Governo de Pernambuco, constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária.
Trato, em seguida, de responder as afirmações contidas na nota técnica da SEFAZ questionando os argumentos técnicos do estudo:
1º) Nota SEFAZ: “Isto porque o resultado primário é tão somente um indicador do volume de empréstimos realizados. Sua principal função é estabelecer uma meta de utilização de operações de crédito para investimentos, como forma de garantir aos credores a solvência futura da dívida”
Reposta 1: Temos um problema conceitual na definição do resultado primário. A definição de resultado primário (consta em todos os manuais de finanças públicas) é a diferença entre as receitas não-financeiras (exemplo: tributos) e despesas não-financeiras (despesas de pessoal, custeio, etc). Ele mede o que o governo conseguiu poupar fruto de esforço fiscal próprio, sem levar em consideração as receitas e despesas com empréstimos.
O resultado primário é a metodologia utilizada como padrão pelos organismos internacionais e aplicada pela maioria dos países do mundo para a avaliação das estatísticas fiscais. Ele é padronizado no Government Finance Statistics Manual (FMI). No Brasil, toda a apuração das estatísticas fiscais do Governo Federal, calculada pelo Ministério da Fazenda, ou do Setor Público Consolidado, calculada pelo Banco Central do Brasil, é baseada nesta metodologia, conhecida e aceita pelos especialistas da área, assim como pelos agentes de mercado.
2º) Nota SEFAZ: “O indicador mais completo a ser observado para apuração da poupança (superávit) ou insuficiência (déficit) é a disponibilidade de caixa líquida do Estado”
Resposta 2: Aqui tenho uma grande discordância da posição da SEFAZ. Existem outras formas de se avaliar a situação fiscal dos governos, mas, com certeza, não se trata da disponibilidade de caixa. A “fotografia do seu caixa” esconde várias questões fundamentais para a avaliação das finanças públicas. Primeiro, será que esse caixa foi formado por receitas próprias ou pelo endividamento? Se houver o pagamento de uma “prestação” grande de sua dívida e o saldo baixar, significa que sua posição fiscal piorou? Como estão os compromissos assumidos pelo Governo com pagamento de despesas obrigatórias diante desse saldo? Por que será que essa metodologia não é utilizada pela União e por outros países?
Se a forma de se avaliar a situação financeira fosse feita dessa forma simples, os bancos, por exemplo, na hora de emprestar qualquer recurso aos seus clientes fariam a análise exclusivamente olhando para o saldo da conta bancária deles. Não é isso que ocorre na pratica. A disponibilidade de recursos é importante como medida de gerenciamento financeiro de curto prazo, na “boca do caixa”. Ela não mede a sustentabilidade das finanças públicas, muito menos os compromissos assumidos pelo Governo.
3º) Nota SEFAZ: “Com exceção do ano de 2012 em que a RCL (Receita Corrente Líquida) foi significativamente inferior ao comportamento dos dois anos anteriores, dificultando uma redução tão drástica neste tipo de despesa, o que foi compensado em 2013, ano em que o gasto foi inferior ao crescimento da arrecadação”
Reposta 3: Utilizei na minha análise o conceito de receita primária por achar ser o mais apropriado para esse tipo de avaliação e não o de Receita Corrente Líquida. Mas, independentemente disso, observem o próprio gráfico que consta na Nota da SEFAZ. Em 2014, houve um grande hiato entre crescimento das despesas e o crescimento da RCL: as despesas cresceram 11,6%, enquanto as receitas cresceram 7,6%. Dessa forma, pelos próprios dados constantes na Nota, a informação dada está errada.
4º) Nota SEFAZ: “De fato houve crescimento nas receitas tributárias ano a ano, mas isso coincidiu com a intensificação das ações fiscais, e não com a elevação da carga tributária sobre a sociedade”
Reposta 4: Há um problema conceitual nessa afirmação. A definição de carga tributária não é igual a de alíquota de tributos. Carga tributária é a proporção do total arrecadado pelo estado em relação ao seu produto interno bruto”. Trata-se do peso do governo sobre a sociedade. Ele cresceu em Pernambuco. Isto é um fato. A nota da SEFAZ argumenta esse aumento não se originou de crescimento de alíquotas de tributos, mas sim de ações de fiscalização. Está perfeito, é bom que assim seja. Quanto maior o combate à sonegação e evasão fiscal é melhor, inclusive para permitir que haja redução de alíquota de tributos, dada a maior eficiência arrecadatória.
5º) Nota SEFAZ: “Também não se pode afirmar que houve piora do perfil do gasto público. O gráfico seguinte demonstra que o governo manteve uma taxa de investimento significativamente alta no período”
Reposta 5: Piora do perfil do gasto público não quer dizer que os investimentos não cresceram, mas que as demais despesas obrigatórias cresceram mais que os investimentos. O próprio gráfico que consta na Nota da SEFAZ mostra isso. A participação do investimento do total das despesas saiu de 12,5% em 2010 para 10,7% em 2014. Isto significa, sim, piora do perfil do gasto público.
6º) Nota SEFAZ: “Quando apuramos o crescimento das vinculações constitucionais com Saúde (mínimo de 12%) e Educação (mínimo de 25%), notamos que a aplicação de recursos em Saúde e Educação tem se mantido significativamente acima do mínimo constitucional. Quando esta despesa é soma, percebe-se que quase a metade da receita própria do Estado é alocada nos serviços de Saúde e Educação, ao contrário do que o estudo dá a entender”
Resposta 6: O estudo não pretendeu e não avaliou se o Estado de Pernambuco está cumprindo com suas obrigações constitucionais. O estudo apenas mostrou que a proporção das despesas da função orçamentária educação em relação às receitas primárias não cresceram no período. Essa métrica não deve ser usada para fins de verificação de aplicação mínima em educação pois o conceito é diferente.
Considerações Finais
O estudo realizado pelo presente Autor não teve qualquer conotação política. Foi um estudo estritamente técnico com metodologia já utilizada em outros estudos e definida previamente à aplicação do caso de Pernambuco. Os dados foram extraídos dos próprios relatórios do Estado.
Nas seis páginas que constam no trabalho, foi citado quatro vezes que a deterioração das variáveis fiscais do Estado de Pernambuco seguiu o comportamento dos demais estados brasileiros. O Governo Federal passa por dificuldades semelhantes. Acredito que a melhor forma de resolver o problema é, primeiramente, reconhecê-lo e o tratá-lo de forma transparente. Como diria o físico Albert Einstein: “Insanidade é continuar sempre fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”. A situação fiscal de Pernambuco não é boa e o reconhecimento desse problema é fundamental para endereçarmos ações necessárias para reequilibrar as contas públicas e manter as condições do estado crescer de forma sustentável.
O autor faz questão de ressaltar o caráter técnico e propositivo do estudo e se disponibiliza para realizar quaisquer esclarecimentos e para cooperar com o Estado na avaliação de suas finanças públicas.